O sonho de ser professor ficou adormecido por muito tempo na vida do instrutor Castro Alves, 65 anos. Ele só conseguiu realizar a meta de passar conhecimento a outras pessoas após se formar no primeiro ciclo do programa RenovaDF, como aluno destaque. “Sempre digo que o RenovaDF mudou a minha vida. O programa foi meu pai e o Senai-DF, a minha mãe. Quem é que dá emprego pra alguém na minha idade?”, indaga.
Castro é uma das 4,6 mil pessoas formadas pelo programa desde maio de 2021, quando foi lançado, em parceria das secretarias de Trabalho (Setrab) e de Governo(Segov). O RenovaDF oferece cursos de iniciação profissional na área de construção civil ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Distrito Federal (Senai-DF).
Piauiense, Castro veio para o DF em 1998 para tentar a sorte no mercado de trabalho. No mesmo ano, conseguiu um emprego como ajudante de obra e, aos poucos, foi galgando novas funções. Depois de quase duas décadas trabalhando na capital federal, decidiu voltar a estudar, em 2017. Até então, só tinha feito até a quarta série do ensino fundamental; atualmente, já está no sétimo semestre da graduação de engenharia civil.
Hoje, além de estudante, é professor de 52 alunos, divididos em duas turmas no período da manhã e noite. “Não é fácil, mas a gente cria uma harmonia. Todo mundo aprende. Só tenho dois alunos homens, o restante é tudo mulher. E são muito dedicadas, viu? Sem medo de perguntar, sem medo de botar a mão na massa”, revela Castro, que chefiou restaurações em parquinhos infantis e quadras poliesportivas no Plano Piloto, além de ser pastor evangélico e empresário da área de construção civil.
Uma de suas alunas, Maiara da Silva, 37 anos, também mudou de vida após o RenovaDF. Depois de quase dois meses de ensino teórico e prático, ela tem o conhecimento sobre manutenção de equipamentos, jardinagem e serralheria na ponta da língua. Não é para menos, já que é considerada uma aluna prodígio. “Foi a primeira vez que mexi com essas coisas, mas acho que até aprendi rápido”, reconhece Maiara, que se divide entre o programa e um emprego de meio período como auxiliar de serviços gerais.
Questionada sobre o maior fruto alcançado com as aulas, ela não esconde o sorriso: “Meu objetivo é um emprego melhor, né? Agora, tenho mais esperança, mais conhecimento. E fé de que vou conseguir”.
Pertencimento
“O RenovaDF nos deu oportunidade de voltar a sonhar, de mudar de vida. Hoje, eu e todos os outros alunos estamos preparados para entrar no mercado de trabalho e enfrentar o que vem por aí”, declara Itamar Marinho Nunes, 52 anos, um dos contemplados no quinto ciclo B do programa, que abriu turmas para 98 pessoas em situação de rua.
Natural de Manaus, capital do Amazonas, Itamar veio para o Distrito Federal há oito anos para tratar de um câncer no cérebro pela rede pública. Na bagagem, trazia esperança de dias melhores, mas também a súplica por tratamento para a doença. Sem condições financeiras nem oportunidades de trabalho, teve que alternar moradia entre a rua e unidades de acolhimento.
Em 2021, após sessões de quimioterapia e radioterapia, conseguiu se livrar do câncer e, quando soube do programa RenovaDF, avistou uma nova possibilidade de mudança. “Depois que fiz a inscrição [no RenovaDF], fiz de tudo para engajar. Tive uns problemas de saúde, mas, graças a Deus, superei e estou aqui”, conta ele, também participante do programa QualificaDF, que oferece cursos profissionalizantes de curta duração.
“Já estive na calçada e me levantei. Sou muito ligado aos direitos humanos e quero que mais pessoas se levantem comigo, que tenham o direito de sonhar. Tenho muita gratidão ao que estou vivendo e fé que o futuro será ainda melhor”, analisa Itamar.
A remuneração oferecida pelos dois programas de qualificação profissional possibilitou que Itamar voltasse a Manaus para visitar a mãe, de 86 anos. “Foi emocionante voltar pro colo dela. Perdi o meu pai para a covid no ano passado e, desde então, prometi para mim mesmo que voltaria lá”, relata, emocionado.
Amigo de Itamar, o mineiro Nilson Henrique Menezes, 54 anos, também visualizou no RenovaDF uma chance para se reerguer. Natural de Montes Claros, ele veio para Brasília há oito anos e, devido a problemas na coluna, não conseguiu se manter no emprego de zelador.
“Muitas das coisas que eles ensinam nas aulas do curso eu já sabia, mas tem outras que foi a primeira vez que vi. Então, para mim foi excelente, como se renovasse tudo né? Porque o que a gente sabe ainda é pouco. A gente vê que as novidades vão chegando e aperfeiçoando mais o conhecimento”, diz.
A participação no programa mudou a relação de Nilson com a rua: “A gente vê com mais esperança, uma perspectiva boa, porque tem a expectativa de ser aproveitado por um trabalho, onde a gente possa recomeçar. Novos caminhos vão se abrir, tenho esperança de que isso vai acontecer”.
As ruas do DF como sala de aula
Quem também aproveitou o RenovaDF foi o estudante de design gráfico Eduardo Martins, 20 anos, morador de Ceilândia. “Eu, que nunca tinha pegado numa enxada, menino de computador, agora já aprendi um monte de coisas”, diz.
Apesar da diferença entre a área de formação acadêmica e os conhecimentos repassados pelo programa, o jovem afirma que o curso foi um divisor de águas. “A experiência do trabalho me ajudou muito. São conhecimentos que não se anulam, é muito legal saber fazer as coisas. Os professores são ótimos, não nos deixam com dúvida nenhuma”, frisa ele, que atuou na reforma do Shopping Popular de Ceilândia.
“Como mulher, é muito difícil; a gente não tem muitas oportunidades e eu não conseguia trabalhar no ramo. Até os alunos se surpreendem por eu ser mulher e pela minha idade também. Traz representatividade, é um incentivo pra mim e pros alunos”Janaína da Silva Martins, instrutora
Já a instrutora Janaína da Silva Moreira, 30 anos, viu no RenovaDF uma forma de aprofundar os conhecimentos na construção civil, área com a qual já tinha proximidade. “Aprendi a construir, rebocar e pintar paredes com meu pai, ainda criança. Depois, fiz um curso técnico de mestre de obras e jardinagem e me profissionalizei, mas nunca consegui um emprego no ramo”, conta.
Desempregada há quatro anos, ela fazia bicos como maquiadora para sustentar a casa e a filha de sete anos, junto ao marido. Até que, em maio de 2021, foi contratada como instrutora do RenovaDF, no primeiro ciclo do projeto. “Como mulher, é muito difícil, a gente não tem muitas oportunidades e eu não conseguia trabalhar no ramo. Até os alunos se surpreendem por eu ser mulher e pela minha idade também. Traz representatividade, é um incentivo pra mim e pros alunos”, conta a moradora de Samambaia.
Papel institucional
Os ciclos do RenovaDF têm duração de 240 horas, o equivalente a três meses, sendo quatro horas diárias de segunda a sexta-feira. Os alunos ganham uniforme, lanche diário, auxílio-transporte, remuneração no valor de um salário mínimo e seguro contra acidentes pessoais.
“Dentro do processo de qualificação profissional, preparamos o aluno para que possa, de fato, participar das vagas do mercado de trabalho, com uma experiência pedagógica completa. É um programa estratégico do Governo do Distrito Federal, porque, além de qualificar a população, recupera os espaços públicos e transforma uma aula que poderia ser teórica, em ambiente controlado, em uma experiência aberta, focada na realidade das pessoas”, pondera o secretário de Trabalho, Thales Mendes Ferreira.
A secretária de Desenvolvimento Social, Mayara Noronha Rocha, acrescenta que, especialmente para as pessoas em situação de vulnerabilidade, o programa resgata a autoestima e a autonomia dos alunos. “Essas pessoas se propuseram e se dispuseram a buscar um novo caminho para suas vidas e isso apenas reforça que as capacitações, por meio dessa parceria com a Setrab, estão sendo fundamentais”, afirma.
Até junho deste ano, foram recuperados 621 equipamentos públicos e há 102 em andamento. O trabalho dos alunos já contemplou 15 cidades: Ceilândia, Samambaia, Guará, Riacho Fundo, Estrutural, Águas Claras, São Sebastião, Itapoã, Vargem Bonita, Arniqueira, Varjão, Planaltina, Gama, Sobradinho e Plano Piloto.
Por Agência Brasília com informações de PH Paiva
Foto: Renato Araújo / Agência Brasília