Ao longo da história recente da capital nas últimas três décadas, as mulheres negras são as que mais sofreram com a falta de emprego. É o que indicam dados exclusivos obtidos pelo Jornal de Brasília por meio do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), que atestam o problema histórico da desigualdade no mercado de trabalho local.
A pesquisa, que agrupou todos os resultados anuais da Pesquisa de Emprego e Desemprego do DF (PED/DF), mostrou que, desde 1992, as mulheres negras registram um percentual de desemprego maior do que a de homens, brancos e negros, e também do que o público feminino branco.
Em 1992, quando a taxa de desemprego geral da população do DF era de 15,3%, para as mulheres negras o índice era de 20%. Para homens brancos, era de 11,6%, e, para os negros, de 16,7%. A pesquisa da época estimou que 16,4% das mulheres brancas estavam procurando por um trabalho.
Passados trinta anos, que aliás foram marcados por diversas discussões sobre o fim da desigualdade econômica em todo o mundo, as negras continuam tendo um percentual maior do que os outros públicos. Em 2021, quando a pesquisa anual da PED/DF estimou a taxa de desemprego anual em 18%, a falta de emprego era uma realidade para 22,5% deste público. Em comparação, o percentual de desocupação era de 17% para brancas e negros. Já para os brancos, o índice foi de 12,6%, quase 10 pontos percentuais a menos do que para as mulheres racializadas.
Desigualdade também nos rendimentos
Segundo Rodrigo Borges, pesquisador do IPEDF e coordenador do estudo que analisou e comparou os dados históricos, a taxa de desemprego para as mulheres negras começou a ter um grande crescimento recentemente após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. “Não dá para afirmar categoricamente, mas parece bem plausível que isso tenha tido um papel”, sugere.
De acordo com estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a alta inatividade das mulheres negras é um problema nacional, não sendo detectado apenas no Distrito Federal. Comparações feitas pelo Instituto entre os segundos trimestres de 2019 e 2022, mostrou que, enquanto a taxa de desemprego geral era de 9,3%, o indicador para o público feminino racializado foi de 13,9%. Para homens brancos, calculou-se 6,1%, menos que a metade.
A pesquisa também avaliou que as negras também possuem a menor média de rendimento em todos os setores de trabalho analisados, como domésticas, serviços e autônomos. Um dos dados coletados pela pesquisa do IPEDF analisou a renda mensal dos que trabalham como empresários em 2021. A de homens brancos era de R$ 11.475, enquanto que as mulheres brancas e homens negros receberam R$ 7.925 e R$ 8.245, respectivamente.
Já o público feminino e racializado adquiriu R$ 5.019, menos da metade do que recebeu o agrupamento masculino e branco. “A gente já tem historicamente a inserção da mulher negra no mercado de trabalho bem comprometida, desde a época da dita abolição”, analisa o pesquisador.
Pandemia agravou desemprego
De acordo com César Bergo, conselheiro do Conselho Regional de Economia do DF (Corecon-DF), mesmo com a ampliação do acesso à educação e saúde nos últimos 30 anos, estes avanços não foram suficientes para mudar a cultura da marginalização das mulheres negras em uma sociedade que “discrimina e esmaga no tocante às oportunidades de trabalho”. “Do ponto de vista cultural, é preciso mudar o conceito da nossa sociedade com relação aos trabalhadores não brancos”, alerta.
Bergo ainda acrescenta que outro motivo que motivou o crescimento recente no desemprego entre as mulheres negras foi a pandemia de covid-19. Para ele, as trabalhadoras dos setores de serviços gerais, e que exerciam a função de doméstica, onde o grupo é predominante, tiveram que enfrentar o home office e a redução da oferta de postos de trabalho.
Segundo os dados do IPEDF, aproximadamente uma em cada quatro mulheres negras tiveram que enfrentar a fila do desemprego no ano de 2020. Na análise da socióloga Jacqueline Teixeira, professora da UnB especializada em gênero e raça, os números apontam que o grupo foi o que esteve mais vulnerável durante a pandemia.
A especialista observa que as mulheres negras, que ocupam a maioria das posições que não dispõem de direitos trabalhistas que garantam uma assistência a uma inatividade, sempre são as mais atingidas pelas grandes crises econômicas. “É um grupo que vai ficando totalmente vulnerável de acordo que esses postos de trabalho vão desaparecendo”, observa.
Para contornar o cenário atual de desigualdade no mercado de trabalho, a professora da UnB defende a criação de ações afirmativas que busquem melhorar a qualificação profissional do público feminino racializado, mas observa que é também preciso vencer um preconceito histórico que introduziu o público em posições inferiores na sociedade: “Nós estamos falando de um racismo estrutural que reflete as lógicas e as dinâmicas trabalhistas no Brasil”.
Uma necessidade de se mostrar capaz
Desde novembro do ano passado, procurar por um trabalho está fazendo parte do cotidiano da jornalista Rayssa Carneiro, moradora da Candangolândia de 23 anos. Recém-formada, o seu ensino superior não a impediu de ter que lidar com a desocupação, e acredita que a sua “ancestralidade” é um importante ponto de divergência que a impede de conseguir um emprego.
“Para nós, o que há de diferença mais gritante é a necessidade de ainda precisarmos nos provar capazes, por vezes, isso significa que é necessária uma formação feita com mais excelência, um trabalho entregue com mais vigor, para que assim nos vejam como iguais”, explica.
Na opinião da jornalista, as ações afirmativas citadas pela professora de sociologia da UnB são fundamentais para contornar o problema da inatividade que afeta as mulheres negras. “O desemprego, nos últimos anos, se tornou um problema extremamente sério, e as mulheres negras foram as mais afetadas. Logo são as que precisam de um resgate mais imediato”, observa Rayssa.
Por Redação do Jornal de Brasília
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil / Reprodução Jornal de Brasília