“Nossa evolução foi tão grande que, hoje em dia, pessoas de outras regiões vêm para Taguatinga, só para comprar com a gente.” Essa é a percepção de Geraldo César de Araújo Júnior, 35 anos, que desde 2004, ajuda o pai a administrar uma das lojas esportivas mais tradicionais do centro de Taguatinga, um exemplo entre as mais de 350 mil micro e pequenas empresas que existem no Distrito Federal (veja o infográfico), de acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
De acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-DF) somente no setor, as pequenas empresas geram 300 mil postos de trabalho na capital do país. De forma geral, até o primeiro semestre de 2023, 83% dos empregados no DF estavam contratados pelo setor de pequenos negócios, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Geraldo e seu estabelecimento são exemplo deste cenário econômico que reflete uma tendência nacional: empresas menores juntas geram mais empregos que as grandes. O empreendimento começou como uma microempresa e, com o passar dos anos, tornou-se uma empresa de pequeno porte. “Sinto que meu pai tem orgulho daquilo que ele construiu ao longo da vida por causa da loja. Toda a família foi criada graças a ela, não teve nenhuma outra fonte de renda”, lembra. “Com o passar desses mais de 30 anos, muitas lojas concorrentes fecharam, outras abriram e também fecharam, mas a gente conseguiu se manter firme”, reforça Geraldo Júnior.
O pai e dono da empresa é Geraldo César de Araújo, 65, conta como tudo começou. “Em 1982, era empregado de uma concessionária de automóveis e, naquela época, já tinha o sonho de ser empresário. Naquele ano, comprei a loja de outra pessoa e iniciei a minha vida de empreendedor”, recorda. “Hoje, considero que somos a maior empresa de materiais esportivos do DF, brigamos com marcas de renome nacional e internacional”, aponta.
Geraldo comenta que é formado em economia, o que ajudou a manter e alavancar o negócio. “Meu filho foi preparado para ser lojista também, se formando em administração. Além disso, fez vários cursos no Sebrae, o principal foi o Empretec (HIPERTEXTO). Segundo ele, foi melhor até que a pós-graduação”, revela. O dono da loja conta, com orgulho, sobre os anos de evolução. “É a satisfação de um trabalho realizado. Começar pequeno traz dificuldades, como a negociação com fornecedores de materiais e qualificação de funcionários. Mas, com o passar do tempo, o crescimento proporciona novos horizontes e oportunidades”, descreve.
“Me sinto realizado também por conseguir fazer a sucessão da empresa, ajudando meu filho a assumir o negócio aos poucos”, diz Geraldo. O filho destaca também o lado sentimental de ter uma empresa. “Muitos clientes vêm comprar aqui e dizem que o pai ou até mesmo o avô já vieram na loja, no início de tudo. Isso traz um sentimento especial”, emociona-se. “A gente que está aqui, todos os dias, trabalhando bastante na loja, quando vem esse reconhecimento, é muito bom”, acrescenta.
Aprendizado e família
A vantagem de ser seu próprio chefe possibilita a oportunidade de transformar uma ideia em um negócio lucrativo. Foi isso que aconteceu com Adeilson Macedo, 41, que saiu da Bahia e veio para o DF, ainda pequeno, para morar com sua tia. O dono de uma banca na Feira do Guará, que está em funcionamento desde 2009 como microempresa conta que, quando decidiu se aventurar no mundo dos negócios, trabalhava como vigia de carros e a sugestão veio de um colega.
“Ele tinha um pouco de conhecimento nesta área e deu a ideia de montar uma loja na feira, indicando o ramo (para investir) da alimentação saudável, como castanhas, grãos entre outras coisas”, lembra. Foi o que Macedo fez. O empresário afirma que, no início, teve um certo receio por se tratar de produtos perecíveis. “Fui vendendo de pouquinho em pouquinho e depois comecei a fazer estoque. Me adequei cada vez mais, procurando qualidade e competitividade com os preços. Então, decidi montar uma pequena loja na feira e estou aqui até hoje”, conta.
Mesmo depois da montagem da banca, Adeilson Macedo lembra que continuou por um tempo como vigia de carro, o que o atrapalhou a crescer mais rápido. “Decidi sair do estacionamento de vez e vir cuidar da loja. Foi quando realmente deu um’ start’ nas vendas”, ressalta. Adeilson destaca que a pandemia de covid-19 serviu como um momento de grande aprendizado. “Foi quando criei o delivery na minha empresa, que não tinha e, praticamente, foi aberta outra empresa com isso.
Mesmo afirmando que não gosta muito de prever o futuro, Adeilson revela que pretende abrir outra loja. “Gosto de esperar as coisas acontecerem naturalmente, mas, se eu tiver a oportunidade de abrir uma loja, em outra cidade ou fora da feira, por exemplo, o farei. É uma possibilidade. Mas ainda não tenho essa ideia bem amadurecida”, finaliza.
Administrando um mercado na QNN 8/10, em Ceilândia, que foi passado de geração a geração na família, Wendell Barroso Fernandes, 44, destaca que o pai, Geremias Fernandes, 77, foi o grande precursor de tudo, em 1987. “Passamos por muitos altos e baixos. A pandemia (de covid-19), por exemplo, foi uma época em que não paramos e não sei dizer se ficamos felizes ou tristes por isso”, comentou. “Felizes por continuarmos trabalhando e tristes pelo medo que tínhamos da doença. Graças a Deus, mesmo com a dificuldade, conseguimos manter as contas em dia e pagar todos os funcionários”, agradece.
Questionado sobre o orgulho do pai de ver o comércio crescer ao longo dos anos, Wendell disse que é o contrário. “Se for para alguém ter orgulho sou eu, da pessoa que meu pai foi o tempo todo. Ele pagou nossos estudos, meu e do meu irmão, com isso aqui. Sempre nos incentivando a seguir aquilo que fizesse com que nós pudéssemos levar o supermercado para frente”, ressalta.
Apesar de destacar que, na maioria das vezes, o crescimento do supermercado foi fruto do esforço da família, o administrador destacou que o Sebrae também teve impacto. “Eventualmente, recebemos algumas visitas e participamos de workshops. Sempre ajuda. É uma experiência que se adquire e pode ser aplicada no negócio, além de interferir na melhoria da loja e na contenção de despesas”, explica Wendell.
Porta de entrada
Em 2020, as pequenas empresas concentravam 29,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do DF, divididos em serviços (53%), comércio (34%) e construção civil (8,4%), segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Presidente da Fecomércio-DF, José Aparecido Freire, destaca que a grande maioria dos empresários do setor é formada por microempreendedores individuais, microempresários e empresários de pequeno porte. “Por isso, é necessário que o governo atualize as faixas e os limites de faturamento do MEI e do Simples Nacional, melhorando o ambiente de negócios e facilitando a vida dos representantes dessas categorias”, ressalta.
Sebastião Abritta, presidente do Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejista-DF), reforça que, atualmente, na capital federal, o varejo é a principal porta de entrada para o empreendedorismo. “Quem tem uma rede de lojas, já foi um pequeno empresário. 100% do que é comercializado, hoje em dia, passa pelo pequeno negócio”, ressalta. Para ele, é necessário uma segurança jurídica maior e uma linha de crédito com juros subsidiados, para que esse pequeno negócio possa se manter e crescer ao longo do tempo. “Além disso, ter segurança nas ruas faz com que mais consumidores cheguem até o pequeno negócio, melhorando ainda mais o faturamento”, observa.
O presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), Jamal Jorge Bittar, ressalta que a indústria do DF é formada, na maior parte, por micro e pequenas empresas. “Elas produzem com grande qualidade e têm plenas condições de vender seus produtos também a mercados fora do Brasil”, afirma. Para ajudar nisso, a entidade lançou na semana passada o programa Exporta DF, junto com o Sebrae/DF e a Apex.
Ao Correio, o secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico Trabalho e Renda (Sedet-DF), Thales Mendes Ferreira, afirma que a pasta incentiva os empreendedores com crédito orientado, por intermédio do programa Prospera (confira Incentivos). “Somente no último ano, o projeto disponibilizou mais de R$ 12 milhões a pequenos empreendedores do DF”, calcula.
Economista e professor de mercado financeiro da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo explica as vantagens para o pequeno negócio, de ser uma empresa formal. “É muito importante ter essa visão de empresa privada, pois isso acaba gerando credibilidade e permite um acesso de crédito exclusivo e especial, que são destinados a esse tipo de negócio”, comenta. “Uma empresa formal tem maior facilidade de contratar funcionários e participar de licitações, o que, em Brasília, acontece muito, por ter muitos órgãos públicos”, acrescenta.
O especialista avalia que, para ajudar os micro e pequenos empresários, o governo local pode criar uma política de facilitação de acesso ao crédito, por meio de programas subsidiados de concessão de crédito. “Sobretudo para áreas prioritárias. A desburocratização também é importantíssima, além de um trabalho visando o estímulo à inovação, em que o governo pode oferecer subsídios para adoção de novas tecnologias e capacitação técnica dos funcionários e empresários”, afirma.
Mercado consumidor
Diretora superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no DF, Rose Rainha, comenta que os pequenos negócios desempenham um papel fundamental na economia do Distrito Federal, contribuindo para a geração de empregos, ocupação e crescimento econômico. A gestora lembra que, no ano passado, Brasília foi eleita a 4ª melhor cidade para se empreender no Brasil. “Temos um mercado consumidor muito atrativo, já que concentramos a maior renda per capita do país”, ressalta. “Empreender em Brasília é uma boa ideia, mas é preciso se preparar, pois o público é bastante exigente”, alerta.
Rose Rainha destaca que a atuação para manter as micro e pequenas empresas saudáveis acontece em três níveis: empresarial, setorial e ambiente de negócio. “No primeiro, oferecemos soluções de capacitação e consultoria sob demanda e de forma personalizada. No segundo, trabalhamos com grupos organizados de empresas para contribuir com o desenvolvimento do setor. No último, trabalhamos com todo o ecossistema de negócios para criar programas, políticas públicas e parcerias que ajudem a melhorar todo o ambiente de empreendedorismo do DF”, explica.
Só que a superintendente afirma que alguns desafios precisam ser analisados na hora de se empreender, como acesso a crédito e concorrência, além de uma mão de obra especializada e de custo acessível. “O governo do DF é um grande parceiro do Sebrae. A educação empreendedora, a desburocratização da abertura de empresas, as compras públicas, as salas do empreendedor são alguns exemplos de iniciativas em curso”, detalha Rose Rainha.
Para quem quiser começar a empreender, o Sebrae oferece consultorias gratuitas e pagas. Os interessados podem acessar o site da entidade para saber quais são as oferecidas atualmente.
*Estagiário sob a supervisão de Samanta Sallum
Por Arthur de Souza e Hítalo Silva do Correio Braziliense
Foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense