Ônibus: veja quais são as dificuldades diárias enfrentadas por idosos no DF

Idosos relatam a rotina de desrespeito nos ônibus do Distrito Federal. Viagem em pé e intolerância são algumas das situações enfrentadas por essa parcela da população. Governo aposta em campanhas educativas

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Motorista que não para, viagens em pé, demora dos coletivos e etarismo. Essas são algumas das dificuldades enfrentadas diariamente pelos idosos no transporte público do Distrito Federal. A reportagem do Correio conversou com usuários que relataram sofrer com a falta de empatia dos demais passageiros e a rotina de estresse que é andar de ônibus na capital do país.  

Dados mais recentes do Instituto de Pesquisa e Estatística (IPEDF), de 2022, revelam que o DF conta com 365.090 pessoas acima dos 60 anos. E a taxa de envelhecimento não para de crescer. Em 2020, era de 57,5%. Para 2030, a previsão é que o número aumente para 95%. 

Na prática, isso quer dizer que, a cada 100 jovens, existirão 95 idosos (60 anos ou mais). A idade média da população que era de 33,4 anos em 2020 passará para 37,5 ao fim da década. Números que mostram o tamanho do desafio que é proporcionar um transporte público que atenda às necessidades desse grupo da sociedade. 

No DF, uma das iniciativas é a Lei Distrital n° 5.984/2017. A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) reforça que a legislação distrital estabelece que todos os assentos de transporte público coletivo são preferenciais para idosos — pessoas a partir de 60 anos —, além de gestantes, passageiros com criança de colo, com deficiência ou mobilidade reduzida. A norma ampliou a preferência desse público sobre outros usuários.

Mas, na prática, não é bem assim. José Gomes, 64 anos, luta contra mieloma múltiplo (câncer nos ossos) e, por isso, precisa andar muito de ônibus por causa das inúmeras consultas. Para se locomover, ele conta com o apoio de uma muleta. Ele relatou que, mesmo nessas condições, ainda faz viagens em pé. “Quando entro no ônibus, algumas pessoas fingem que estão dormindo ou que não estão vendo. Não é fácil viajar em pé com uma muleta”, desabafou.

Maria de Souza, 60, relata que dificilmente os passageiros mais novos cedem lugar aos mais velhos. “Parece que ninguém tem compaixão com o próximo. Às vezes, sinto como se eu não existisse, parece que somos esquecidos”, lamentou.

Preconceito

Os problemas vão além de ficar em pé. Vanderlei Pereira, 60, contou que ouviu diversas vezes comentários maldosos de outros usuários. “As dificuldades que enfrentamos não são apenas físicas, temos que ouvir as pessoas dizerem que deveríamos ficar em casa. Venho de um dia cansativo de trabalho e ainda tenho que passar por isso, infelizmente é assim”, comentou.

A frequência de ônibus e o tempo de espera também foram pontos reclamados por Pereira. “Estou aqui, na Rodoviária do Plano Piloto, há mais de 20 minutos e não sei a hora que o próximo veículo virá. Isso é muito estressante. Olhe o tamanho que a fila está. Falando em fila, até mesmo a preferencial é crioticada pelos outros passageiros, que reclamam quando estamos usufruindo desse direito”, observou.

Política pública

Para mudar essa realidade, a doutora em transportes Adriana Modesto ressalta que é preciso uma consciência cidadã do respeito pelo direito legitimado em lei (todos os assentos são preferenciais). Além disso, é preciso que as políticas públicas se adequem à nova realidade da população. “A gente vive num país que supervaloriza a juventude e não percebe que a população está envelhecendo. Ainda padecemos da questão do etarismo”, diz. 

Além disso, a especialista ressalta a necessidade de redução das barreiras comunicacionais e de acessibilidade, assim como capacitação de motoristas e cobradores, porque muitos idosos têm mobilidade reduzida.

Recentemente, ao se locomover em um BRT, ela flagrou uma situação que a revoltou. O ônibus estava lotado e todos os assentos ocupados. Um idoso estava improvisando um assento, num cantinho do coletivo. “Me dirigi a ele e disse ‘todos os assentos são preferenciais, direito assegurado em lei. Ele respondeu: ‘Eu sei, mas eles não cedem’. Ficou muito claro que ele conhecia o direito, mas se sentiu fragilizado em pleiteá-lo”, relata Adriana. “Falei que o ônibus só sairia dali depois que alguém cedesse o banco. Briguei pelo direito dele, mas também pelo meu, se eu tiver sorte de envelhecer”, conta.

O presidente da Associação Brasileira do Cidadão Sênior (Abracs), Mauro Moreira de Oliveira, disse que a acessibilidade para os idosos nos ônibus impacta diretamente no direito de ir e vir deles, e está ligada à liberdade e dignidade humana. “Portanto, sem acessibilidade, não é possível garantir a utilização adequada do transporte público pelas pessoas idosas. O que lhes retira a faculdade de ir, vir e estar nos ambientes públicos necessários ao exercício da sua cidadania”, pontuou.

Em relação à tarifa e aos descontos oferecidos aos idosos no transporte público do DF, a Abracs considera que o direito está consolidado. “Inclusive, com destaque para o fato de que no Distrito Federal é possível à pessoa idosa utilizar o transporte público de graça desde os 60 anos, e não a partir dos 65, conforme autoriza a Lei nº 7.298, de 24 de julho de 2023.”

Vanderlúcia Silva, 66, disse que sofre com o transporte público, como viajar em pé e o risco de cair durante o trajeto, mas após fazer o cartão Sênior — destinado aos passageiros com idade acima de 60 anos —, a situação melhorou. “Tem uns três meses que eu fiz, e minhas viagens têm sido mais tranquilas. As pessoas já me notam como uma pessoa idosa, e cedem o assento, coisa que antes era muito difícil”, relatou.

O problema que persiste para Vanderlucia é quando, muitas vezes, os motoristas não param. “Hoje mesmo aconteceu isso comigo. Fiz o sinal, o moço não parou e eu fiquei esperando por outro ônibus quase 40 minutos. Isso atrasa todo o dia. Dessa forma, demoro mais para retornar para minha casa”, contou.

Lúcia Dias, 74, reclama da impaciência de alguns motoristas. “Não têm paciência no embarque e desembarque das pessoas idosas. Não se importam em derrubar um idoso. Acho que eles deveriam ter um pouco mais de calma, não temos a mesma saúde e vigor de um jovem. Em Planaltina, por exemplo, os motoristas dirigem como se estivessem em uma carroça, acham que não estão levando ninguém”, reclamou.

Denúncia 

Em relação às reclamações com os motoristas ou cobradores, a Secretaria de Mobilidade (Semob) orienta a fazer a reclamação no site do Participa DF (https://www.participa.df.gov.br/) ou pelo número 162. Importante registrar o máximo de detalhes — como nome da empresa, número da linha e horário do ocorrido. As manifestações são encaminhadas para o setor responsável, que faz a apuração da solicitação e aplica multa à empresa, caso a irregularidade seja constatada.

A pasta ainda destaca campanhas que são feitas para melhorar a experiência da pessoa idosa nos transportes públicos. E esclarece que as peças de campanha sobre o embarque de idosos nos coletivos são publicadas regularmente na rede social da secretaria, bem como em totens na rodoviária e nas televisões instaladas nos ônibus.

Manoel Alves, 64, diz que ultimamente as pessoas estão muito mal educadas, não enxergam os outros. “Todos os bancos são preferenciais, mas alguns não dão importância para isso. Até mesmo para o governo é difícil. Eles fazem campanhas e algumas ações, mas quem deve mudar são os usuários.”

Uma mudança que Alves também gostaria de ver é em relação aos atrasos dos ônibus, que “ocorrem com muita frequência. Isso prejudica nosso dia a dia, precisamos de mais ônibus. Isso resolveria até o problema da superlotação que enfrentamos diariamente”, finalizou.

*Estagiário sob a supervisão de Adriana Bernardes

Por Luis Fellype Rodrigues do Correio Braziliense

Foto: Luiza Marinho/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense