SUS lidera combate ao tabagismo no país

Brasil utiliza, desde 2004, diretrizes para o tratamento da dependência do consumo de tabaco muito similares às divulgadas pela OMS neste mês. Mas ainda há brechas em relação ao cigarro eletrônico, alertam especialistas

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Com um conjunto de diretrizes para o tratamento do tabagismo estabelecido desde 2004, o Brasil se mostra um pioneiro no combate ao consumo de tabaco e seus derivados. Desde a criação do sistema de monitoramento anual por telefone, o Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), em 2006, o percentual de brasileiros adultos fumantes na população passou de 15,7% em 2006 (cerca de 29,6 milhões de pessoas) para 8,9% em 2023 (cerca de 18,9 milhões de pessoas).

Segundo a especialista da Divisão do Controle do Tabagismo do Instituto Nacional de Câncer (INCA) — órgão auxiliar do Ministério da Saúde —, Vera Lúcia Borges, o número de fumantes na população brasileira, que era em torno de 34% em 1989 — ano em que as primeiras medidas de combate ao tabagismo, como a proibição da veiculação de propagandas de cigarros, começaram a ser implementadas no país —, para um número em torno de 12,8% de fumantes na população em 2019.

“Isso é um demonstrativo de que as medidas que o Brasil vem tomando vêm, efetivamente, ajudando as pessoas a fumarem menos, mas ainda há muita gente fumando. Cerca de 20 milhões de pessoas que são fumantes no país”.

A especialista explicou que, segundo o monitoramento do INCA de 2023, 69% dos brasileiros que buscam parar de fumar aderem ao tratamento pelo SUS, e que 47% dessas pessoas que aderem conseguem cessar o consumo em uma primeira tentativa. “A gente tem uma resposta de cessação, nessa primeira tentativa dessas pessoas nas unidades de saúde, de 47%. As evidências mostram que uma resposta acima de 35% é considerada excelente, efetiva. Então, acho que a gente vem trilhando um caminho positivo com essas ações”, salientou.

Novas diretrizes da OMS

No último dia 2, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou, pela primeira vez, um conjunto de diretrizes para o tratamento do tabagismo. O objetivo, segundo a entidade, é ajudar mais de 750 milhões de usuários que desejam abandonar as mais diversas formas de tabagismo, incluindo os cigarros tradicionais, mas também narguilés, produtos de tabaco aquecido (HTP), charutos, e até mesmo os cigarros eletrônicos — ou DEFS (dispositivos eletrônicos para fumar), que não são diretamente mencionados.

A OMS estima que mais de 60% do 1,25 bilhão de usuários de produtos derivados do tabaco no mundo desejam parar de fumar — o que equivaleria a mais de 750 milhões de pessoas —, mas que 70% delas não têm acesso a serviços eficazes para tal.

As novas diretrizes publicadas incluem apoio comportamental a ser oferecido por profissionais de saúde, intervenções digitais e tratamentos farmacológicos, incluindo a utilização da Vareniclina e da Citisina — medicamentos agonistas dos receptores nicotínicos —, que diminuem o desejo de fumar e o impacto das crises de abstinência, e da bupropiona (antidepressivo). “Essas diretrizes representam um marco crucial na nossa batalha global contra esses produtos perigosos”, sinalizou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Segundo Vera Lúcia Borges, as novas diretrizes trazidas pela OMS são importantes para unificar e orientar países que ainda não possuem sistemas específicos para o tratamento do tabagismo.

“A dependência dos produtos de tabaco, que vem da nicotina, é reforçada diariamente porque, por exemplo, quem fuma, fuma o dia inteiro, e parar sozinho, muitas vezes, a pessoa não consegue. Se a pessoa é acompanhada de um profissional que vai orientá-la, as chances dela parar de fumar são muito maiores. Então, a OMS aborda a questão comportamental, traz a medicação como um elemento — inclusive sugere algumas medicações que podem apoiar essa essa abordagem comportamental — para que as pessoas aumentem as chances de conseguir parar de fumar”, destacou.

Contudo, a especialista explicou que as diretrizes trazidas pela organização são muito similares às aplicadas no Brasil desde 2004. “Nós temos uma política de controle do tabaco robusta. O Brasil é, inclusive, admirado, é referência para outros países no controle do tabaco e a gente vem fazendo exatamente isso. Nós temos um modelo de tratamento estruturado com base comportamental e com medicamentos, pelo SUS (Sistema Único de Saúde)”, disse.

Vareniclina

Uma das diferenças entre as novas diretrizes da OMS e as já utilizadas pelo Brasil desde 2004 é o uso dos medicamentos agonistas dos receptores nicotínicos, a Vareniclina e a Citisina — que atuam na sensação de saciedade de nicotina, diminuindo o desejo de fumar, e os impactos causados pela abstinência. Vera Lúcia Borges explicou que a venda da Vareniclina está suspensa no país há muitos anos, e que sua utilização foi substituída, no SUS, pela combinação de métodos de terapia de reposição de nicotina (TRN), com igual efetividade.

“Como a gente é SUS, precisa economizar e atende um número muito grande da população, nós fizemos um estudo muito detalhado e apresentamos à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), mostrando que a combinação de adesivo, por exemplo, e goma de mascar, a combinação de TRNs, faria o mesmo efeito que a Vareniclina a um custo menor para o Ministério da Saúde e para o Brasil”, afirmou.

Porém, na visão do coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Paulo Corrêa, a Vareniclina possui uma efetividade maior do que o tratamento utilizado pelo SUS. “A gente sabe que as terapias, tanto de reposição de nicotina (TRN), como de bupropiona, dobram as taxas de cessação, ou seja, tenho duas vezes mais pessoas sem utilizar nicotina usando essas substâncias. A Vareniclina triplica essas taxas. O problema é que foram descobertas nitrosaminas nas Vareniclina, que são substâncias que provocam câncer”, explicou.

Ele reforçou que, apesar da identificação das nitrosaminas em alguns lotes da droga, a maior questão sobre o uso da Vareniclina, para o SUS, era o preço do medicamento, que era patenteado pela Pfizer sob o nome de Champix — patente que foi derrubada em 2021, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o presidente da SBPT, Paulo Corrêa, a presença desse medicamento nas diretrizes da OMS e a queda da patente da Pfizer possibilitam que o Ministério da Saúde reavalie o uso do medicamento e traga um tratamento ainda mais eficaz a um custo mais baixo.

“Uma vez que a variável custo já diminuiu, está na hora de reavaliar de novo e ver se a gente não poderia importar essa Vareniclina. Por exemplo, o governo de Portugal importa. Eu tenho muito contato — fiquei seis semanas lá, esse ano, como professor visitante —, e o governo de Portugal importa a Vareniclina porque é muito mais barato do que a que era fabricada de marca, digamos assim, pela pela Pfizer”, indicou.

Alerta com Vapes

Aos 27 anos de idade, o estudante de comunicação Renzo Prates faz uso diário dos cigarros eletrônicos há dois anos. “Eu fumava com os amigos, esporadicamente, mas acabei incorporando na rotina de trabalho. A pausa para o café tinha que vir acompanhada de algumas tragadas”, contou. As tentativas de parar de fumar não têm sido bem sucedidas. “Tentei parar de comprar, mas tem dias que dá aquela necessidade. Tentei comprar pods (um tipo de cigarros eletrônicos) com menos quantidades de puxadas para segurar as recaídas, mas isso acaba me fazendo manter o hábito de comprar e fumar”, relatou.

Apesar de ter sua comercialização proibida no Brasil desde 2009 e reforçada em 2024 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os cigarros eletrônicos ainda são amplamente utilizados no país, e podem ser facilmente encontrados para compra pelos usuários em tabacarias, distribuidoras de bebidas e junto a vendedores ambulantes.

Para Vera Lúcia Borges, as diretrizes da OMS para o tratamento do tabagismo — assim como as utilizadas no Brasil — incluem os usuários de cigarros eletrônicos, assim como aos usuários de todos os produtos derivados do tabaco. Contudo, nenhuma delas faz menção direta aos dispositivos ou apresenta orientações especificamente voltadas a esse uso.

Na visão de Paulo Corrêa, a OMS deveria ter sido mais ambiciosa para trazer diretrizes focadas no uso dos cigarros eletrônicos e na faixa da população mais atingida por esse consumo, que são os jovens. O especialista defendeu que essa teria sido uma boa oportunidade de combater falsas informações sobre a ausência de malefícios nesses dispositivos.

“Já que demorou para lançar essas diretrizes, a OMS deveria ter sido mais ambiciosa e ter incluído, também, um conjunto de observações e de orientações para o uso dos dispositivos eletrônicos para fumar. Deveria ser uma guideline para a cessação de nicotina, já que a indústria tem se aproveitado e disseminado, erroneamente, o mito de que cigarros eletrônicos e dispositivos de tabaco aquecido são estratégias de tratamento de tabagismo. Não, eles não são. Então faltou esse posicionamento”, lamentou.

“Outro aspecto do documento é que ele foca em adultos. Poderia ser um documento dividido entre usuários de nicotina jovens, abaixo de 18 anos — já que a maioria da população começa a fumar e utilizar qualquer produto de nicotina, geralmente, na adolescência —, então a gente extrapola para os jovens as coisas que tem para os adultos. Então, eles poderiam ter revisto, especificamente, as coisas para os jovens, que seria um ponto para poder ir adiante. Então assim, não está nem implícito, eles não citam os cigarros eletrônicos, é só tobacco cessation”, complementou.

O presidente da SBPT e pneumologista Paulo Corrêa explica que a cessação do tabagismo não é uma busca simples, e que a maioria das pessoas que tentam leva entre cinco e sete tentativas para conseguir parar de fumar. Ele reforçou a importância da busca por acompanhamento profissional para pessoas que desejam largar o vício, inclusive dos cigarros eletrônicos.

“Como os cigarros eletrônicos têm muita nicotina, a dependência se desenvolve cedo. Então, se você não começou a fumar, não comece, e se você já está utilizando, tem que parar o mais rápido possível. A gente sabe que, pela rapidez com que essas formas de nicotina — principalmente com os sais de nicotina em cigarros eletrônicos — atuam, a pessoa vai ter dificuldade. Então, é interessante que o jovem possa procurar ou ter pelo menos um momento isolado, longe dos pais, com os profissionais de saúde, para que o profissional de saúde possa dar as dicas para poder parar de fumar. E o tratamento em si não difere muito. É um tratamento que é individualizado, de acordo com a dependência da nicotina do paciente”, explicou.

*Estagiário sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza

Por Henrique Fregonasse do Correio Braziliense

Foto: EBC / Reprodução Correio Braziliense