Em seis meses, DF realizou 456 transplantes de órgãos; veja como doar

Média mensal de cirurgias para transplantes, no primeiro semestre de 2024, foi de 76 operações. Mantido esse desempenho, a expectativa é de que até dezembro se supere o maior número de intervenções do tipo desde 2009

Renascimento. Essa é a sensação vivida por pessoas que receberam órgãos, tecidos ou células por transplantes e que falaram ao Correio. No Distrito Federal, só nos seis primeiros meses deste ano, 456 pacientes tiveram a oportunidade. Mantendo-se a média mensal atual dessas cirurgias (76), a expectativa é que até dezembro se bata o recorde de tais intervenções médicas na região, registrando o maior número dos últimos 15 anos. 

Em 2023, foram realizados 839 transplantes, dos quais 40% foram de córnea, seguidos do de medula óssea autólogo — quando as células provêm do próprio beneficiado —, e de rim, no qual o doador é falecido. No total, houve um aumento de 12,32% em relação ao ano anterior.

O aumento transferências de órgãos é decorrente de fatores como a melhora na logística de transporte especializado entre os estados, o maior esforço para identificar potenciais doadores e a efetivação do procedimento, caso exista o consentimento da família da pessoa falecida de onde será feita a extração. Essas constatações são do chefe da Unidade de Transplantes do Hospital Universitário de Brasília (HUB), o médico Guilherme Queiroz Arimatea.

Em relação às condições de envio, o especialista explica: “É uma corrida contra o tempo. O órgão, após ser retirado do corpo do doador, precisa ser implantado o mais rapidamente possível no corpo do receptor. Quanto menor o tempo, melhor é o resultado do transplante. No caso do coração, é ideal que o implante seja realizado em até quatro horas (após sua retirada do organismo em que estava)”. Ele comentou que situações do gênero que envolvem rins devem ser realizadas em até 48 horas.

Para agilizar essas transferências médicas especializadas, em 2015, uma parceria entre o Departamento de Trânsito (Detran/DF), a Secretaria de Saúde do DF (SES), a Polícia Militar (PMDF), o Corpo de Bombeiros Militar (CBMDF) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Até junho deste ano, já foram realizados 23 envios dessa natureza a partir de outros estados para o DF.

Lista única

Atualmente, há 1.574 pessoas na fila de espera de transplantes do DF. Metade delas pacientes renais. Na região, o Sistema Único de Saúde (SUS) realiza transplantes de coração, fígado, rins, córneas e de medula óssea. Na rede privada, atende esses casos e também ps que envolvem tecido ósteo-condro-fascio-ligamentoso, associado a tratamentos ortopédicos.

Na capital federal, o processo de doação de órgãos segue diretrizes estabelecidas pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), coordenado pelo Ministério da Saúde. Independentemente do paciente estar internado em um hospital público ou privado, todos os receptores são incluídos na mesma lista de espera nacional.

Segundo o ministério, algumas condições determinantes na organização da fila do transplante incluem: impossibilidade total de acesso para diálise (filtração do sangue), no caso de doentes renais; insuficiência hepática aguda grave, para doentes do fígado; necessidade de assistência circulatória, para pacientes cardiopatas; e rejeição de órgãos recentemente implantados.

Conforme detalha o médico nefrologista Elber Rocha, especialista em transplantes e coordenador do Programa de Transplantes do Grupo Santa, as doenças que mais levam à necessidade de operações nos pacientes com que trabalha são: doença renal crônica, cirrose hepática, hepatite fulminante, insuficiência cardíaca, enfisema e fibrose pulmonar, diabetes mellitus, ceratocone (afinamento progressivo da córnea), leucemias, linfomas e algumas doenças genéticas.

“O transplante de órgãos, como um rim, não é uma garantia de cura, mas sim uma opção de tratamento que pode melhorar significativamente a qualidade de vida do paciente. Pessoas que recebem um transplante precisam tomar medicamentos imunossupressores para evitar a rejeição do órgão transplantado”, explica Rocha.

Transplantada

Faz pouco mais de um ano que Eliéte Oliveira, 52 anos, renasceu após receber um novo fígado. Ela sofria de hepatite autoimune e colangite biliar, condições que tentou equilibrar ao longo de 20 anos com medicamentos. “Mas chegou o momento que não deu mais para tratar. O corpo não funcionava direito. Eu estava amarela, com feridas na pele, não dormia bem e os rins e o intestino não funcionavam bem”, recorda.

Foi o momento em que a aposentada foi colocada na lista do SUS. Como seu caso era urgente, em 14 dias foi operada. “Transplante não é a cura, mas é fundamental para a sobrevivência. Passamos o resto da vida tomando medicamentos imunossupressores e ficamos mais vulneráveis a outros tipos de infecção, devido ao sistema imunológico debilitado”, explica Eliéte.

Ela considera o transplante como um momento de renascimento. “Quando a gente leva uma ‘lambida da morte’, a gente começa a dar valor às coisas certas. Impossível não mudar completamente após o transplante”, revela.

Atualmente, Eliéte pratica corrida de rua, musculação, natação e espera uma vaga para começar a praticar tiro com arco, modalidade pela qual pretende competir na Olimpíada dos Transplantados, que ocorrerá em agosto do ano que vem, na Alemanha. “Exercício físico passa a ser uma condição de vida, até para cuidar do emocional. Depressão, excesso de peso e sedentarismo são condições que podem levar à rejeição do órgão recebido”, destaca a moradora da Candangolândia.

Aos que ainda questionam a idoneidade do processo de doação de órgãos, Eliéte, que integra o Instituto Brasileiro de Transplantados, avisa: “Tive minha vida salva por uma família que, em meio à dor da perda de um ente querido, disse sim ao transplante. Procurem se informar, por meio do instituto. Não existe essa de furar a lista de espera do SUS”.

 Importância da doação

Para explicar o significado de um transplante, Andréa Mesquita, 57, é sucinta: “Vida”. Ela defende que haja campanhas bem elaboradas para informar a população sobre a importância da doação de órgãos. “As pessoas ainda têm esperança de que parentes com morte cerebral possam voltar à vida, algo que é impossível. Um ‘sim’ para a doação de órgãos pode salvar várias vidas”, observa.

Andréa teve a vida salva, duas vezes, por doações, ambas de rim, em 1998 e 2016. O que a levou aos procedimentos foi o fato de os médicos não conseguirem identificar qual era o mal que renal que a acometia seu órgão, quando começou a manifestar dificuldades há 26 anos. E e uma biópsia seria muito agressiva devido ao estado em que se encontrava. Assim, um transplante seria a opção. Foram oito meses esperando pela sua vez, período em que teve que fazer diálise. “Emagreci muito. Cheguei a pesar 50 quilos, sendo que tenho 1,70 de altura”, relata.

Devido aos tratamentos de saúde da épica, o rim transplantado tinha menor resistência. O órgão que recebeu em 1998 funcionou até 2009. A partir daí, foram mais sete anos de espera por um novo e um sem-fim de sessões diários de diálise. Além disso, inexplicavelmente, em 2012, ela perdeu a capacidade de caminhar, passado a usar uma cadeira de rodas.

Foi a partir do segundo transplante, em 2016, que Andréa voltou a fazer atividades físicas, que havia deixado de lado por 18 anos. “Naquela época, não havia o incentivo para a prática de exercícios físicos para transplantados. Mas, hoje, estou ótima. Faço musculação, arremesso de peso e lançamento de dardo”, conta Andréa, que é integrante da Liga Brasil de Atletas Transplantados.

Além de exercícios, outros cuidados devem ser mantidos após o recebimento de um órgão, como: uso de medicação específica, exames e checagens de saúde regulares, higiene rigorosa, alimentação saudável, vacinação em dia, atenção especial à pele e redução de contato com pessoas com doenças infecciosas.

Por Letícia Mouhamad e Naum Giló do Correio Braziliense

Foto: Arquivo pessoal / Reprodução Correio Braziliense