Ricardo Vale acredita em avanço no combate à extrema-direita no DF

O vice-presidente da Câmara Legislativa foi o entrevistado do JBr Entrevista, desta semana, e destacou a falta de execução de emendas da oposição pelas secretarias do GDF

O convidado do JBr Entrevista — o podcast do Jornal de Brasília —, desta semana, é o vice-presidente da Câmara Legislativa, Ricardo Vale (PT). O parlamentar cumpre seu segundo mandato na Casa e está reeleito, antecipadamente, para mais dois anos no comando do Legislativo local. Entre os assuntos abordados, está a baixa execução de emendas dos deputados de oposição, o avanço da extrema-direita, o fomento à cultura e o futuro político do PT no Distrito Federal, após mais de uma década sem figurar entre os partidos que protagonizam a disputa ao governo do Distrito Federal.

Como foi retornar à CLDF após quatro anos fora de um mandato e já como vice-presidente?

Tanto eu quanto o Wellington ficamos fora por quatro anos e não é fácil voltar, quando se perde uma eleição. Aquela conjuntura estava muito complicada, principalmente para nós do PT. Naquele momento em que eu fui parlamentar, entre 2015 e 2018, veio o pior momento da história do partido com a prisão do Lula, impeachment da Dilma. Toda aquela onda de fake news que se iniciava ali, dizendo que o PT era tudo que não prestava, deixou tudo muito difícil para que a gente não se reelegesse e o PT acabou perdendo muitos parlamentares federais, estaduais. Aqui no DF só fizemos dois: o Chico Vigilante e a Arlete Sampaio. Voltamos, demos a volta por cima. Uma série de circunstâncias na construção dessa Câmara Legislativa acabou por fazer o Wellington e eu presidente e vice (respectivamente), acho que também pela experiência que a gente já teve na Casa.

Temos mantido o diálogo aberto com todos os deputados. E temos investido muito em transparência. A Câmara foi reconhecida como o parlamento mais transparente do país e isso é motivo de orgulho.

Qual o cenário que o senhor vê após os quatro anos que você ficou fora?

Houve uma mudança considerável do ponto de vista da recuperação do PT, visto a eleição do presidente Lula. Tivemos a extrema-direita comandando o país, com o [Jair] Bolsonaro. A própria eleição do [governador] Ibaneis [Rocha], quando colou nesse campo de direita e extrema-direita. Ele apostou nesse lado e a conjuntura política fez com que o Ibaneis fosse eleito e reeleito. Mas, durante esses quatro anos, a gente retomou um pouco do nosso espaço do Distrito Federal. Ainda está muito polarizado, porque a conjuntura política do DF está muito ligada com a nacional. A medida que o PT melhora no país, ele melhora aqui também no Distrito Federal.

Como o senhor avalia o crescimento da extrema-direita?

É um campo que tem crescido muito e nos preocupado, porque, para nós, não é a forma correta de se fazer o processo político, a disputa política, uma vez que ela joga muito sujo, usa instrumentos pouco republicanos, como fake news, usar a religião fazendo uma confusão na cabeça do eleitorado, mas recuperamos espaço. Acho que essa polarização vai permanecer, entre direita e esquerda, Lula e Bolsonaro.

O senhor acha que o Bolsonaro terá de volta seus direitos políticos?

Acredito que não, mas ele terá uma influência muito grande nas eleições do país e, infelizmente, aqui no Distrito Federal.

O PT não governa o DF desde o Agnelo Queiroz, como o partido prepara um novo nome? O senhor está nesta lista?

Eu ainda não. Tem o Chico Vigilante, a Érika Kokay e outras lideranças do partido que estão na frente dessa linha e que podem cumprir esse papel. O próprio Agnelo, que foi um cara muito perseguido pela Justiça e que tudo indica que poderá disputar as próximas eleições. Estamos mais preocupados, nesse momento, em construir uma frente de esquerda. Tivemos um bom resultado com o Leandro Grass, que quase foi para o segundo turno, mostrando que a esquerda aqui no Distrito Federal, unida, tem força. O presidente Lula está fazendo um bom governo e, melhorando a economia, nós vamos chegar muito fortes. Montando uma frente ampla de esquerda, aqui, nós temos chance de derrotar a extrema-direita. Necessariamente, não precisa ser um candidato do PT, apesar de termos bons quadros. Temos feito muitas reuniões, inclusive com o Cidadania, que foi assumido pelo senador Cristovam Buarque. Vamos tentar ampliar ainda mais essa aliança de centro esquerda.

O conselheiro do Tribunal de Contas do DF Paulo Tadeu seria um nome a se colocar?

Ele é uma pessoa que teve uma participação na política do DF muito importante e muito jovem, ainda, mas pelo o que converso com ele, no dia a dia, demonstra que ainda não é o momento. Acredito que ele não sairá do TCDF. Infelizmente, porque eu até gostaria que ele colocasse o nome, mas pelas conversas que temos nos almoços de família, por enquanto, ficará ali apenas dando os conselhos para nós do PT, que está na índole dele.

Na visão do senhor, o que precisa melhorar no DF?

O grande problema do Distrito Federal é a saúde. Ela está sem gestão e a que tem é muito ruim, e não é por falta de recursos. Não há sintonia entre o Iges (Instituto de Gestão e Saúde) e a Secretaria de Saúde e a população do DF, que está sofrendo muito. Não sei ainda por que o governador Ibaneis não mexe nessa pasta. Por que insiste em deixar a população sofrendo tanto. No nosso gabinete é gente atrás de uma consulta o tempo inteiro, tentando fazer com que sua cirurgia ande, tentando ser atendido. As vezes fica na UPA horas e horas e volta para casa sem atendimento. Esse é um grande problema, talvez o maior do Distrito Federal. Mas temos outros, como a questão da mobilidade, com muita reclamação por falta de trens do metrô, com os veículos pegando fogo. Muita falta de ônibus.

O senhor é um grande incentivador da cultura e do rock. Como é esse trabalho?

Nosso gabinete ajuda muito a cultura do Distrito Federal. A música, a arte e o cinema são muito importante e, infelizmente, nos últimos anos, com o crescimento do bolsonarismo, houve um ataque muito grande à cultura do país. Muitos deputados da própria CLDF acham que a cultura não é importante, que investimento em cultura é gasto. Para mim é investimento em saúde mental, confraternização, em inclusão social. A música vem sendo atacada no Distrito Federal, desde quando foi criada essa Lei do Silêncio. Quantas casas de shows e bares não deixaram de tocar música por causa disso. A cultura acabou ficando largada.

O que foi feito pelo rock?

Primeiro tombamos o rock como patrimônio cultural e imaterial do Distrito Federal em 2017, e agora fizemos o Dia do Rock, em homenagem ao Renato Russo. Mas no fundo, nosso objetivo é fomentar esse segmento da música. Têm muitas bandas de rock boas aqui no DF, com muita produção, muitas bandas autorais. Então, estamos criando políticas públicas para dar oportunidade para essa galera mostrar seu trabalho e crescer.

Nós fizemos uma homenagem pelo Dia do Rock, a vários músicos antigos e atuais, e foi uma grande festa que vai continuar recebendo incentivo. Estamos com um projeto com o Setorial Cultura Rock, em que todo mês teremos o Asas do Rock, a partir de domingo, 18, que será das 10h até o fim da tarde, somente para bandas autorais. Teremos todos os meses, até dezembro, e pretendemos renovar para o ano que vem. Isso para dar oportunidade para esse pessoal que quer mostrar seu trabalho e precisa de espaço. Vamos incentivar muito o rock e outros segmentos.

Como o senhor viu a baixa execução de emendas de distritais da oposição?

A matéria do Jornal de Brasília foi muito importante. Eu não sabia que eu e a esquerda estávamos ali na rabeira, e eu sou um dos que menos teve emendas executadas. Muitas delas nós destinamos em função do apelo da própria sociedade, porque alguém está demandando. O governo tem que ter um tratamento isonômico. Todos nós somos procurados para atendermos nossas bases. Espero que o governo corrija isso. Vou procurar a Casa Civil, o secretário Gustavo Rocha, para tentarmos melhorar esses índices, não só do Ricardo Vale, mas dos deputados do campo da esquerda. Isso não se justifica, porque fazemos oposição temos menos execução. Talvez tenhamos projetos mais importantes até do que os de deputados da base. Eu te parabenizo, porque eu não sabia que minhas emendas estavam com pouca execução. Alguns deputados executaram muito e outros quase nada. Vamos tentar no diálogo equilibrar isso.

Quais emendas o senhor acredita que poderia ter sido executada e não foi?

Muitas emendas para a área de cultura estão travadas na Secretaria de Cultura. Emendas de fomento ao futebol amador do DF, com R$ 500 mil para oito ligas e que servem para pagar a arbitragem das competições amadoras. O futebol amador é o esporte mais praticado no DF. Estamos chagando ao fim do ano e essa emenda está travada na Secretaria de Esporte e só agora parece que elas andarão, depois que os campeonatos já começaram. Geralmente, quem joga ali, muitas vezes ele tira da mesa da família dele, do que ele tem, para colocar aquela garotada para jogar. Isso serve para pagar os árbitros, gerando emprego para eles. Esses são exemplos, temos muitas emendas travadas.

Como o senhor analisa a tragédia de Planaltina, que ocorreu em uma invasão?

Fui lá e fiquei muito comovido com a situação que aquela família está passando. A vizinhança com muitas mulheres, muitas crianças e jovem assustado. O DF tem muitas situações como essa, de invasões antigas. Aquela ali tem sete anos. Aquela família estava ali a quase cinco anos. O poder público erra quando permite a invasão e erra muito mais quando não permite que essas pessoas tenham acesso a água potável, a esgoto e, principalmente, a luz. Os moradores fazem as gambiarras de água e de luz, daí vai a Neoenergia e corta, e eles precisam usar vela. Enquanto se decide se eles poderão ficar ali ou não, o poder público precisa tratar as pessoas como humanas, Dar condições para que elas possam viver de maneira que não aconteça aquele tipo de coisa. Meu receio é que outro barraco pegue fogo. Ninguém está ali porque quer invadir. Está por necessidade. Os moradores me contaram que há duas semanas, um cara estava fazendo uma gambiarra e acabou morrendo eletrocutado, mas não virou notícia. E vamos deixar essas pessoas sem água e sem luz? Vamos cobrar muito. Enquanto não se resolve, precisamos dar dignidade para essas famílias.

Por Suzano Almeida do Jornal de Brasília

Foto: Ricardo vale JBr Entrevista / Reprodução Jornal de Brasília