No Distrito Federal, alguns produtores rurais — de regiões que compreendem a Bacia Hidrográfica do Alto Rio Descoberto e a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Pipiripau — participam do Programa Produtor de Água, idealizado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e apoiado por diversas instituições locais. A iniciativa tem o intuito de conservar os recursos hídricos no meio rural, além de ações de readequação de estradas rurais, construção de pequenas barragens e educação ambiental.
Segundo maior bioma do Brasil, responsável por cobrir 25% do país, o Cerrado é considerado o “berço das águas” por abrigar importantes nascentes, além de ser solo por onde passam diferentes bacias hidrográficas.
Na Bacia do Pipiripau, na divisa do Distrito Federal com o município de Formosa (GO), o programa foi implementado há 13 anos e, atualmente, é coordenado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa). Segundo Wendel Lopes, coordenador da iniciativa, são 14 instituições parceiras que colaboram para aumentar a disponibilidade de água por meio da aplicação de técnicas de conservação do solo e de reposição da cobertura vegetal em Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal.
Segundo Icléa Silva, engenheira ambiental da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater-DF) que atua na Pipiripau, desde o início do projeto, cerca de 210 produtores aderiram à iniciativa e mais de 400 mil mudas de árvores foram plantadas na região. “O que difere o “produtor de água” de outros programas de revitalização de bacias é a adesão voluntária do produtor rural, que se torna parceiro e recebe remuneração.
Os pagamentos são realizados anualmente, com base nas particularidades de cada área rural, e o contrato com cada produtor tem duração de cinco anos, podendo ser renovado. Além do auxílio financeiro, são construídas cercas e sistemas necessários nas propriedades, além das mudas de plantas que são entregues sem qualquer custo.
Novo cenário
Na chácara em que Vital Moraes, 83 anos, vive há 43 anos, no Núcleo Rural Taquara, em Planaltina, o cenário já não é o mesmo de quando a parceria foi iniciada. Ele foi um dos primeiros a tornar-se produtor de água na região, quando a Bacia do Pipiripau aderiu ao programa. “De lá para cá, foram milhares de árvores plantadas. Não dá para dimensionar a coisa em palavras, é apenas vendo”, diz entusiasmado.
O produtor rural destacou que há mudas, plantadas no início do programa, que cresceram a ponto de atingirem mais de 10 metros de altura. “Todos os anos era certo que em agosto e setembro haveria falta de água. Depois que as mudas cresceram e desenvolveram-se isso deixou de ser um problema”, comemorou.
Na chácara, que tem 13 hectares, Vital trabalha com plantação de milho e sorgo para alimentar o gado. Do programa, ele recebe o apoio financeiro de R$ 8, 5 mil, disponibilizados ao fim de cada ano (após cumprimento das tarefas apontadas pelos órgãos envolvidos), além das mudas de árvores e assistência técnicas recebidas.
Vital lembra que, depois da adesão dele aos programas, os vizinhos também tornaram-se produtores de água e hoje se ajudam. “É um trabalho integrado e muito importante para a bacia. Precisamos, sim, preservá-la. Eu me sinto realizado em ver que estou deixando algo que pode contribuir futuramente para a preservação do meio ambiente.”
Anne Caroline Borges, engenheira ambiental da Emater-DF explica que, por causa da pandemia de covid-19, o projeto na Bacia do Descoberto começou efetivamente no início deste ano. Coordenado pela Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), a iniciativa tem 34 produtores da região inscritos e conta com 26 instituições parceiras.
O engenheiro florestal Fábio Bakk, da Caesb, diz que o projeto é um ganho para o bioma e ressalta a importância da parceria. “A gente passou a olhar para o produtor como um parceiro, para que a gente tenha um uso equilibrado da propriedade, um uso sustentável da água, uma produção saudável de alimentos e a possibilidade de um remanescente de água em quantidade e qualidade para o abastecimento da população”, aponta.
Destaque
Na região onde mora, no Núcleo Rural Capão da Onça, em Brazlândia, o casal Vicente Jorge Ferreira, 72, e Florinei Lima Cardoso, 58, destacam-se no projeto. Neste ano, foram os primeiros a ganhar o certificado de produtores de água da Bacia do Descoberto. Apesar da adesão recente, Vicente conta que já é possível notar tímidas melhoras no espaço, e ressalta que a expectativa é de que a preservação seja cada vez mais notada. Mais de 1,3 mil mudas foram plantadas na chácara, onde cultivam maracujá-pérola, pitaya-do- cerrado, banana-prata e outros. Além de beneficiar o solo, as plantações têm atraído animais ao local.
Há cerca de dois anos, antes de entrar no programa, o casal fez parceria com a Embrapa e com a Emater, também com trabalhos de preservação. “O solo estava descoberto, as árvores morriam e não havia reposição. A chuva trazia tudo que estava por cima e, com muita velocidade, criava erosões no solo, causando buracos com cerca de 80 centímetros e assoreando o rio e sujando a água”, contam. Hoje, eles se sentem felizes, pois esses problemas não ocorrem mais.
A chácara do casal tem 18 hectares e o contrato da propriedade rural foi estabelecido em R$ 27 mil, pagos em cinco anos, conforme o cumprimento das tarefas. “Se a gente preserva o solo, a infiltração da água é aumentada, o escoamento superficial diminui e, consequentemente, preservamos a água também”, lembra Vicente explicando a importância das novas práticas.
Fabiana de Gois Aquino, pesquisadora da Embrapa Cerrados, destacou que a adesão coletiva é de extrema importância para a preservação das bacias, essenciais para a agricultura. A atuação pontual não é capaz de mudar a realidade de uma bacia, então a adesão voluntária ao programa faz diferença porque é um conjunto de ações sendo realizadas nas propriedades em prol da conservação do solo e água”, explica.
Educação ambiental
Ao Correio, os produtores de água contaram, orgulhosos, que recebem em suas propriedades crianças e adolescentes de escolas públicas do DF para aprender sobre as áreas de preservação. Desde 2018, ocorre na Bacia Piripau, entre os meses de outubro e dezembro, a ação Produtor de Água Mirim, onde são plantadas cem mudas em cada propriedade, envolvendo crianças e adolescentes no plantio. No final deste ano, a ação também ocorrerá na região da Bacia do Descoberto.
Por Letícia Guedes do Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense