Big techs ignoram debate sobre regulação proposto pela AGU

Plataformas desconhecem convite e não mandam sequer representantes. Ministro Jorge Messias, porém, ameniza a ausência e diz que as empresas têm até sexta-feira para remeter sugestões

As big techs não responderam ao convite da Advocacia-Geral da União (AGU) para que participassem, ontem, da audiência pública convocada pelo governo para debater a regulamentação das redes sociais no Brasil. O encontro recebeu mais de 200 inscrições de representantes de entidades governamentais e da sociedade civil ligadas ao tema. As grandes plataformas, porém, não deram nenhuma explicação aos anfitriões sobre o motivo do não comparecimento.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, minimizou a ausência e disse que o governo continua aberto ao diálogo sobre regulamentação e moderação de conteúdos nas redes. “Eles (as big techs) têm o direito de vir ou não vir. Não vieram, mas podem mandar subsídios até sexta-feira” disse, após reafirmar que “o governo brasileiro continuará dialogando com todas plataformas, como sempre fez”.

Para o ministro, o objetivo do governo é “encontrar uma solução que dê segurança a todos os brasileiros”. Sobre a ausência da Meta — dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp —, que anunciou, há duas semanas, o fim dos mecanismos de checagem de fatos e de moderação de conteúdo, Messias disse que não compromete o debate.

“As portas da AGU e do governo federal estão sempre abertas para dialogar com todas as empresas que aqui participem do ambiente de negócios brasileiro e que tenham essa disposição”, frisou.

Com a audiência, a AGU espera levantar subsídios para apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), que julga a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet — e segundo interpretação das próprias plataformas, as isenta dos conteúdos que publicam. A Advocacia-Geral participa desse julgamento como “amicus curiae”, ou seja, é parte interessada.

A decisão da Meta e a presença dos donos das principais plataformas na posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levantaram questionamentos sobre o poder econômico e político que essas empresas passam a deter com o apoio incondicional do novo governo norte-americano. Foi, também, um dos aspectos mais citados pelos debatedores na audiência, por causa do risco de que conteúdos falsos ou discursos de ódio, violência e discriminação passem a circular ostensivamente.

“Nos preocupa muito a expansão do racismo, da misoginia, dos preconceitos mais variados. É fundamental que possamos avançar na direção de ambientes digitais seguros e que respeitem os direitos humanos”, disse a ministra de Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, na abertura da audiência.

Vácuos legais

Um dos consensos é a falta de dispositivos legais no Brasil que normatizem a atuação das big techs e estabeleçam limites que impeçam a circulação de conteúdos que estimulem ódio e preconceito, e ameacem as camadas mais vulneráveis da população. Para os debatedores, o que é considerado crime no mundo real deve ter o mesmo tratamento no ambiente virtual.

Bia Kira, professora de direito na Universidade de Sussex (Inglaterra) e especialista em direito digital, citou a nova legislação britânica sobre o tema, que define com clareza o que não pode circular nas redes. “Se um conteúdo é ilegal deve ser proibido”, resumiu. Por causa de leis como essa, a Meta não incluiu o Reino Unido e os países da União Europeia (que também têm leis rigorosas) nas novas diretrizes de publicação de conteúdos. Para ela, o Brasil também precisa de uma legislação que estabeleça esses limites.

Laura Schertel, professora de direito digital da Universidade de Brasília (UnB) e do IDP, reforçou a avaliação de que a legislação brasileira é frouxa para balizar a atividade das big techs. Ela defendeu a necessidade de criação de uma “entidade independente” para “regular esses conteúdos de forma sistêmica”, e não individualmente. “Temos que aprender a lidar com esses conteúdos criminosos”, advertiu.

Para Jorge Messias, essa é uma questão prioritária para o governo. “Colocaremos nossos esforços para que isso seja uma realidade, para que mães e pais de família possam ficar mais tranquilos com as crianças; que os comerciantes fiquem mais tranquilos e seguros na realização de negócios; que os consumidores se sintam mais protegidos na realização de operações diárias utilizando essas plataformas; e que a sociedade em geral sinta que pode confiar”, observou.

Remoção de vídeo

O TikTok removeu um vídeo manipulado por inteligência artificial (IA) que simulava o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fazendo declarações falsas sobre “taxação de pobres” e “impostos do cachorrinho de estimação”. A plataforma retirou o conteúdo na última terça-feira, menos de 24 horas depois da notificação da Advocacia-Geral da União (AGU) — segundo a qual o vídeo incorre em desinformação, ao ser produzido com IA, mostra fato não condizente com a realidade e busca confundir a população. A fala de Haddad foi adulterada pela tecnologia de deepfake, que sobrepõe a voz e os movimentos dos lábios via inteligência artificial.

Por Vinicius Doria do Correio Braziliense

Foto: Emanuelle Sena/AscomAGU / Reprodução Correio Braziliense