Era manhã de quinta-feira, 16 de janeiro, quando a vida de Oscelina Moura Neves de Oliveira, até então empregada doméstica na casa do delegado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) Mikhail Rocha Menezes, sofreu uma reviravolta. Durante o expediente, na casa localizada em um condomínio no Setor Habitacional Tororó, o policial atirou contra a mulher, Andréa Rodrigues Machado, de 40 anos; e Oscelina, 45. No mesmo dia, ele também atacou outra mulher, a enfermeira Priscilla Pessoa, 45, dentro de um hospital particular.
Oscelina passou mais de um mês internada, principalmente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Base, para tratar os graves ferimentos. Esta semana, ela teve alta e recebeu o Correio, numa casa simples e bem organizada. Mesmo diante do tormento por que passou desde o dia da tragédia, Lika, como é chamada pelos mais próximos, não conteve a alegria que sentia por estar viva.
Ao lado da mãe, que veio do interior da Bahia para cuidar da filha depois do crime, Lika se mostra otimista, apesar das dificuldades físicas e financeiras que vem passando. “Olha, pessoal, eu já estou ficando de pé”, fez questão de mostrar à equipe de reportagem ao se levantar da cama em que estava sentada.
“Eu voltei de lá diferente”, disse Lika sobre o período em que passou no hospital e sobre o impacto que o acontecimento teve na própria fé. Evangélica, ela canta um louvor que descreve a recuperação que atravessa: “Eu quero ser um vaso novo, moldado pelo Senhor, com a mensagem de amor e esperança, aonde e para onde eu for”. Ela diz que rezou bastante durante o período em que ficou internada e que sente, hoje, que a religião a preparou para a tragédia provocada pelo ódio de uma pessoa armada.
Antes do episódio, Lika praticava corrida diariamente, e acredita que a resistência obtida por meio da atividade física a ajudou a se recuperar. “Deus já estava preparando o meu físico”, afirma. “Se, hoje, eu estou aqui de pé, é porque todos os dias Ele me jogava da cama para eu fazer 10km de caminhada.”
É por meio da religião, também, que ela se reergue psicologicamente. Todos os dias, lê a Bíblia junto ao marido e considera a sobrevivência um milagre. Bem-humorada, demonstra felicidade por estar viva e gratidão pela equipe médica que a assistiu. “Eu falei para o meu esposo: ‘Meu amor, eu vou sair daqui desse hospital (por causa de) todas essas pessoas'”, relembra.
Lika diz que sentiu muita falta de casa quando estava internada e que às vezes chorava muito. Ficar longe dos três filhos, de 14, 18 e 22 anos, foi uma tristeza, ela conta, mas também era “uma das melhores alegrias” quando eles a visitavam — principalmente o mais velho, com quem ela não falava mais e se reconciliou após a tragédia. O caçula estava na casa dos patrões no momento do crime.
Depois da volta ao lar, Oscelina admira, pela janela do quarto, a “orquídea mais rara do mundo”, que cultiva no quintal, e as flores do vestido com o qual um dos filhos a presenteou. Ela diz que, durante os 40 dias que passou internada, sentiu saudade da liberdade de poder ver as plantas e a casa, das quais cuida com tanto amor. “Quando eu sarar, eu vou fazer caminhada”, planeja. Passear de carro e ir à igreja todos os dias também estão entre os planos.
O caso
O acusado, Mikhail Rocha, 46 anos, é delegado da PCDF e estava afastado das atividades por problemas de saúde mental à época do crime. Ele atirou contra Oscelina e contra Andréa dentro de casa, diante do filho do casal, de 7 anos, e do filho mais novo da empregada, de 14, que a acompanhava no trabalho aquele dia. Após os disparos, Mikhail saiu de casa com o filho, que passava mal ao presenciar a tragédia, e tentou comprar um celular no shopping Gilberto Salomão. Depois, foi até o Hospital Brasília e exigiu atendimento para a criança, que vomitava sem parar. O delegado estava armado, ameaçou contar até cinco para receber atendimento, mas antes de finalizar a contagem atirou contra a enfermeira Priscilla Pessoa. As três mulheres sobreviveram aos disparos.
Mikhail Rocha foi capturado no mesmo dia do crime. Ele foi conduzido à Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP), onde passou por uma triagem médica e foi encaminhado para a ala psiquiátrica do Hospital de Base, em que ficou internado por oito dias. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva, e o delegado responde por três tentativas de feminicídio. Ele foi transferido para a carceragem da Polícia Civil, no Complexo da PCDF, onde aguarda transferência para o Complexo Penitenciário da Papuda.
Por Letícia Guedes e Lara Perpétuo do Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press / Reprodução Correio Braziliense