O Setor de Diversões Sul, conhecido como Conic, nasceu em 1968, como um dos primeiros centros comerciais da jovem Brasília. Criado para ser um refúgio de lazer e cultura, o Conic rapidamente se tornou um pedacinho onde a modernidade e a inovação da capital se encontravam. Nos seus primeiros anos, o local era um verdadeiro caldeirão de entretenimento: cinemas, boates, teatros, restaurantes, bares para todos os gostos e lojas que ofereciam de tudo um pouco.
Antônio José de Rodrigues, que chegou ao Conic com apenas 16 anos para trabalhar em um restaurante, lembra-se com carinho do vai e vem constante de pessoas que preenchiam os corredores do setor. Hoje, aos 56 de idade e 31 de história no local, tornou-se proprietário do estabelecimento e carrega com ele memórias de um lugar que foi efervescente. “Quando comecei a trabalhar aqui, era um lugar jovem, vibrante, com atrações para todos os gostos e idades. Eu cresci aqui e foi graças ao Conic que consegui criar meus filhos. Eu devo tudo a esse lugar”, celebra ele.
Nos anos 1980, o Conic se tornou o coração da boemia brasiliense. Ali, jovens de todas as tribos se encontravam, atraídos pela música alternativa, pelo espírito rebelde e pela arte que vibrava a cada esquina. O poeta Sotér recorda com nostalgia essa época, quando usava o Conic como palco para divulgar seus livros. “Nas décadas de 1970 e 1980, o Conic transbordava cultura. Havia diversas livrarias e boates famosas. Lembro que lancei um livro na extinta boate Aquarius, às 2h da manhã, no intervalo entre um show e outro”, relembra, ele com um sorriso no rosto.
Símbolo da liberdade
Sotér descreve o Setor de Diversões Sul como um símbolo de liberdade, um santuário de resistência contra a rigidez e formalidade que dominavam outros cantos da cidade. “Era o lugar onde a juventude alternativa se encontrava. O Conic tinha uma pegada cultural muito forte e virou um reduto para aqueles que queriam se expressar, seja artisticamente, seja politicamente. Era o espaço da vanguarda de Brasília, um local intenso, com apresentações ao ar livre e uma atmosfera única”, explica.
Ali, a cultura era viva e se misturava com a energia de quem se sentia em casa naquele espaço tão livre, colorido e imprevisível. Muitos artistas, especialmente do rock, punk e música alternativa, marcaram presença, tornando o Conic um ponto de expressões. “Na década de 1980, o Conic era um espaço de diversidade, onde podíamos assistir a shows de transformistas e drag queens. Era um lugar onde a liberdade era celebrada”, afirma Sóter.
Maria Fernanda Derntl, professora do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), explica que o Setor de Diversões Sul foi projetado no plano original de Lucio Costa como um local contínuo, com norte, centro e sul interligados a uma grande praça sobre a rodoviária, inspirado nas grandes cidades do mundo. “Lucio Costa se inspirou na Times Square (Nova York), na Champs-Élysées (Paris) e na Piccadilly Circus (Londres), mas também em referências cariocas e boêmias, como a Rua do Ouvidor. O Conic foi pensado como um espaço de vitalidade, encontro e convivência, com uma sofisticação que, nos anos 1980, já parecia contraditória com a popularidade que o local ganhou”, explica.
Segundo Maria Fernanda, o Conic reflete a necessidade de diversificação no Plano Piloto de Brasília, um espaço que acolhe uma mistura de usos comerciais e de serviços, atendendo diferentes públicos e oferecendo uma variedade de experiências. “Apesar dos desafios em manter a segurança e a convivência entre os diversos públicos, o Conic continua sendo um lugar especial, com uma energia única. Ele sempre foi um local de encontro e de troca”, afirma.
Para a professora, o que torna o Conic ainda mais interessante é que, de fora, sua fachada não revela toda a sua grandeza interna. Nos anos 1970, várias embaixadas instalaram seus escritórios ali, e o local era frequentado por diplomatas. Quando as embaixadas se foram, o Conic foi ganhando novas identidades, como o Teatro Dulcina de Moraes, que se tornou um marco da cultura local. “O Conic é um espaço plural, que acolhe uma diversidade de usos, o que o torna tão especial”, comenta Maria Fernanda.
O local que marcou uma geração inteira de jovens hoje se encontra desprovido de boates, cinemas e teatros, sendo que a maioria desses espaços foi alugada por igrejas. O que ainda resta como forma de entretenimento é uma festa semanal, realizada no pátio do local.
Infraestrutura
Nos últimos anos, o Conic enfrentou desafios relacionados à segurança e à infraestrutura. O desgaste do tempo, aliado ao grande fluxo de pessoas, acabou impactando a estrutura do lugar. No entanto, o Conic continua sendo um centro importante, com uma infraestrutura singular e esforços para melhorar a segurança e preservar seu caráter histórico.
“O espaço está passando por um processo natural de degradação, mas a requalificação é algo que ocorre em todas as grandes cidades. Muitos edifícios passaram por reformas, com melhorias em segurança e infraestrutura. O processo de revitalização está acontecendo aos poucos, e o Conic continua sendo um lugar com grande potencial”, afirma a prefeita do Conic, Flávia Portela. Ela comenta que, apesar dos percalços enfrentados, o local ainda mantém uma localização privilegiada, próximo à Rodoviária do Plano Piloto.
Joelina Francisca Rocha, que trabalha no Conic há 26 anos, sente a mudança no movimento do local. “Quando cheguei a Brasília, o Conic era o ponto de acesso para tudo no Setor Comercial Sul. Havia um grande fluxo de pessoas, e o comércio era muito movimentado. Hoje, é preciso incentivos para trazer mais movimento. Mas os comerciantes que continuam aqui o fazem por conta dos clientes fiéis, que sabem que o Conic ainda oferece qualidade com bons preços”, defende.
Questionado sobre a revitalização do espaço, o Governo do Distrito Federal (GDF) afirmou que o Conic é de propriedade particular, e a responsabilidade pela recuperação do espaço é dos comerciantes e administradores do local. “A manutenção do prédio é de responsabilidade de quem o administra”, declarou o executivo local.
Você sabia?
Conic é originalmente o nome da construtora contratada que ergueu os primeiros edifícios do local.
Raio-x
O Setor de Diversões Sul (SDS) é composto por 14 edifícios que abrangem 100 mil quadrados de área construída, com prédios externos na faixa de 10 andares e internos de cinco andares. Cerca de 10 mil pessoas atualmente circulam pelo espaço e há 2 mil unidades, entre salas e lojas.
Dulcina de Moraes
O Conic é sede do Teatro Dulcina, um dos mais importantes e tradicionais polos de arte e cultura de Brasília. O teatro foi fundado em 1980 pela atriz carioca Dulcina de Moraes, que havia se transferido para Brasília após a inauguração da cidade, e foi a primeira escola de teatro da capital. Hoje, além de faculdade de arte, promove peças de teatro, eventos e festas que reúnem com frequência intelectuais e artistas da cidade.
Underground
O Conic foi a sede da primeira boate gay do Distrito Federal, a New Aquarius, fundada em 1970 e responsável pela sedimentação da cena LGBT em Brasília, em uma época de muita perseguição contra essa comunidade no país. Já nos anos 1990, o espaço abrigou o Cine Pornô, que exibia em sessões diurnas e noturnas produções nacionais e internacionais de filmes pornográficos. Há alguns anos, o espaço sedia festas como a Lust, uma balada para maiores de 18 que costuma reunir um público adepto de fetiches.
Por Mariana Saraiva do Correio Braziliense
Foto: Ed Alves CB/DA Press / Reprodução Correio Braziliense