Crônica: Entre sonhos e realidades

A escolha do projeto urbanístico de Lucio Costa e a genialidade de Oscar Niemeyer na arquitetura modernista deram vida a essa cidade monumental

Por Graça Seligman — jornalista e fotógrafa

A minha Brasília tem um céu azul de tirar o folego, amarela ocre nos meses da seca e com o tempo tornou-se verde, muito verde. Brasília é uma cidade única, nascida do sonho de ocupar o interior do Brasil e da visão ousada do Presidente Juscelino Kubitschek. A escolha do projeto urbanístico de Lucio Costa e a genialidade de Oscar Niemeyer na arquitetura modernista deram vida a essa cidade monumental.

Artistas como Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti, Burle Marx, Marianne Peretti, Dulcina de Morais, Cândido Portinari, José Pedrosa e muitos outros contribuíram para transformar esse sonho em realidade. A música também encontrou seu espaço, com nomes como Odette Ernst Dias, Dilermando Reis, Pernambuco do Pandeiro, Assis Carvalho, Jacob do Bandolim e o grande Waldir Azevedo, que fizeram do chorinho a trilha sonora de Brasília. O Clube do Choro, liderado por Reco do Bandolim, conquistou a todos. Este projeto, em todas as suas dimensões, é um ícone mundial, um verdadeiro símbolo do sonho moderno.

O planejamento urbano faz de Brasília uma cidade funcional e organizada, com suas amplas avenidas, áreas verdes e setores bem definidos para comércio, serviços e residências. A diversidade de origens, credos, cores, religiões e paixões é a base de sua cultura. A cidade atrai pessoas de todo o Brasil e do mundo, criando um caldeirão multicultural que se reflete na culinária, nas festividades e nas artes locais. Os eventos culturais são tão variados quanto interessantes, e a presença do governo federal traz um dinamismo único à cidade

E as pessoas? Ah, as pessoas! Convivendo com os brasilienses, você encontra um povo aberto e amigável. Brasília me presenteou com tantos amigos! Gosto de ver o lado bom da cidade, mas não posso ignorar que minha Brasília tem sérios problemas. Alguns problemas persistem porque não são enfrentados com determinação, e interesses mesquinhos atrapalham.

O transporte público é um exemplo disso, um enigma que parece sem solução, mas não é. É como se a vontade política tivesse tirado férias permanentes! O transporte público em Brasília é um desafio que persiste há décadas, afetando a vida de muitos. Ele não cobre eficientemente as áreas mais distantes, e a frequência é, digamos, imprevisível. Sem mencionar a situação precária dos ônibus, que são desconfortáveis e colocam a segurança dos usuários em risco. E o custo? É muito salgado em relação à renda da população. Precisamos entender e acreditar na frase bastante conhecida que diz “um país desenvolvido não é aquele onde o pobre tem carro, mas, sim, onde todos, ricos e pobres, usam o transporte público”.

Outro problema grave é o nível intolerável de agressões e assassinatos de mulheres. Brasília lidera vários rankings de feminicídio, e essa parece ser uma epidemia que se alastra e está longe de ser contida. Vem de muito longe essa cultura de desrespeito e ódio às mulheres. Mas piorou. Será que é sinal dos tempos, das redes sociais, do encontro de um grupo social urbano e cosmopolita com outro rural e vindo de pequenas cidades? Não sei, mas teremos que enfrentar esse ódio e desrespeito às mulheres como um dia criamos a cultura de respeitar a vida do pedestre, ensinando a todos a beleza de parar na faixa, a beleza de respeitar o outro e fazer a vida em sociedade muito melhor.

Por Opinião

Foto: Maurenilson Freire / Reprodução Correio Braziliense