A morte do papa Francisco abre um novo capítulo na história católica. O pontífice será lembrado pelo diálogo, que chamava de “cultura de encontro”, e por ser uma pessoa de fácil relacionamento, segundo o cardeal Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília. Em entrevista ao Podcast do Correio, conduzido pelas jornalistas Denise Rothenburg e Mariana Niederauer, o sacerdote relembrou encontros com Francisco, além de explicar os próximos passos da Igreja na escolha de um novo líder.
Qual o legado que o papa Francisco deixa para as futuras gerações?
O papa Francisco deixa um grande legado de diálogo. Era o que ele chamava de construção da cultura do encontro, por meio da qual o diálogo deveria resolver os problemas da humanidade, sejam os grandes ou os pequenos problemas.
Nós vivemos em um mundo hoje com muitas guerras, fala-se de mais de 25 conflitos armados. Papa Francisco foi um dos homens que deu voz a esses sofrimentos. Ele não só falava dos grandes conflitos, por exemplo, entre Rússia e Ucrânia, mas também lembrava dos outros. Assim, ele mostrava os sofrimentos que existem no mundo.
O papa ainda colocou no centro de seu papado a questão ecológica. Ele escreveu, inclusive, uma encíclica chamada Laudato Si, que significa Louvado Seja, a partir do canto das criaturas de São Francisco, por meio da qual mostra a importância de se discutir o aquecimento global, a devastação do planeta e defende que a cultura global deve que ser de preservação, não de destruição.
Francisco também escreveu outra encíclica chamada Fratelli Tutti (Todos Irmãos, em tradução livre), por meio da qual propõe uma sociedade de irmãos, olhar para o outro e perceber que diante de você não está um inimigo, mas sim um irmão, uma irmã.
O papa Francisco foi um homem que olhou para as periferias humanas e para as periferias existenciais. Ele deixa um grande legado, seja para a humanidade, seja também para a vida da Igreja, apontando o caminho da evangelização e da missão.
O papado de Francisco representou uma mudança de paradigma para a Igreja. Existe uma expectativa de que o próximo papado siga a mesma linha ou que vá por outro caminho?
Eu sempre digo que o papado de Francisco foi uma continuidade na descontinuidade, com relação a Bento XVI e João Paulo II. Se nós olharmos os grandes depois do Concílio Vaticano II, todos estiveram preocupados com as grandes questões da humanidade em seu tempo, e o Papa Francisco continuou essa tradição. Bento XVI também, uma vez que tinha discurso sobre a questão ecológica, sobre os grandes problemas que envolviam a vida da sociedade naquele tempo. Francisco continua essa tradição. É claro que o seu estilo próprio, então eu diria continuidade na descontinuidade.
O papa Francisco aponta também para a igreja um caminho de maior simplicidade, uma igreja mais próxima do povo. Mas assim, se nós olharmos bem, é uma continuidade dos grandes papas ali do pós-concílio, que propuseram para a igreja a evangelização, a missão, a proximidade com o povo. Isso não vai mudar. Eu acho que não. Eu acho que quem vier tem que seguir esse caminho, não há outro meio.
Acho que qualquer líder precisa ter consciência da instituição que faz parte e das suas capacidades. Além disso, precisa estar antenado aos grandes problemas do mundo e do seu tempo. Papa Francisco fez isso, foi um papa antenado aos grandes problemas da humanidade. Eu acho que o próximo também tem que estar. Eu acho que não não não há outro caminho para qualquer líder mundial.
Quais foram suas experiências de contato com o papa Francisco?
Conheci o papa Francisco logo assim que ele foi eleito, já que eu era um dos organizadores da Jornada Mundial da Juventude. Nós estávamos preparando a Jornada para Bento XVI, então fomos para ver se ele queria alguma coisa a mais. Foi um encontro muito agradável.
Eu me lembro que estávamos, éramos seis ou sete, me parece. Sempre no final da audiência pessoal, o papa dá um presente, uns tercinhos, umas fotos dele. Ele percebeu que, sobre a mesa, havia seis envelopes, mas sete pessoas. Aí ele disse: “Devo hacer una cosita” (devo fazer uma coisinha, em tradução livre). Em seguida, ele foi a um armário que tinha, abriu, ele mesmo pegou mais um envelope, trouxe e colocou na mesa. Era uma pessoa de profunda sensibilidade.
Ali começou o nosso contato. Depois, convivi com ele no Rio de Janeiro, durante o tempo da jornada. Tivemos vários pontos pessoais e conversas. Nasceu uma simpatia recíproca, onde ele me chamava pelo nome, sempre que me encontrava, brincava.
Qual a importância de o papa Francisco ter sido o primeiro papa latino-americano?
O papa Francisco ele olhou para o mundo como um todo, principalmente para as periferias do mundo. É um papa que olhou para os problemas das periferias do mundo. E assim, nesse sentido, olhou também para a América Latina. Olhou para África, olhou para a Ásia. Estava presente em seu pontificado as diretrizes do Documento de Aparecida.
Em 2007, ocorreu em Aparecida do Norte (SP), um encontro de bispos na América Latina e Caribe, onde ele foi o responsável pela equipe de redação. E dali nasceu aquele que se chama de Documento de Aparecida. Se nós olharmos as grandes linhas do pontificado do papa Francisco, estão no documento de Aparecida. Ele levou para a Igreja Universal a forma latino-americana de ser, de uma simplicidade maior, o acolhimento, o trato humano.
Como funciona o conclave que se iniciará? Quem são os brasileiros que vão participar?
Os cardeais brasileiros hoje são Dom Orani Júnior Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro; Dom Odilo Pedro Scherer, o arcebispo de São Paulo; Dom Sérgio da Rocha, o arcebispo de Salvador; Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus; Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre; eu, arcebispo de Brasília e tem um ainda em Roma, Dom João Braz Aviz.
Agora os cardeais começam a ir para Roma. Então, começa a primeira parte do processo de escolha de um novo papa, que se chama conclave. A primeira etapa são as congregações gerais. São discursos, dos quais participam todos os cardeais do colégio cardinalício. Todo mundo tem o direito de falar.
Em seguida, inicia-se a segunda parte, que é a votação. Se vai buscando perceber o perfil de papa que a igreja precisa e se vai aos poucos percebendo quem entre os candidatos preencheria aqueles requisitos. Ali é por um é o processo de votação mesmo, onde se vota, se escreve numa cédula o nome de determinado cardeal. Para um papa ser eleito, precisa ter dos votos de todos.
Existem nomes mais conhecidos, mas não se pede voto. Devagar vai se percebendo quem tem o perfil. Eu creio firmemente que é o Senhor também que escolhe. Através de nós, por isso a responsabilidade nossa de cardeais.
Especula-se que o próximo papa terá perfil conservador. O que o senhor acha?
Conhecendo um pouco o colégio cardinalista, acho que será alguém de perfil mais conciliador, mas alguém que seja pastor, que leve para frente uma Igreja evangelizadora, uma Igreja missionária. Eu torço por alguém que mantenha a Igreja próxima do povo. O papa Francisco falava que Jesus não exerceu o seu ministério de um de um escritório, mas no meio do povo. A igreja tem que levar o amor de Deus para as pessoas. Acho que a Igreja não pode abandonar esse caminho.
Como as redes sociais são importantes para um futuro papado?
Elas são fundamentais. O mundo hoje é o mundo da comunicação. Não tem mais como não se comunicar. A comunicação fez do mundo uma grande aldeia. A igreja tem que estar no mundo, tem que comunicar a beleza do evangelho de Jesus Cristo, ela tem que fazer com que o evangelho fale. As imagens falam, não é? Eu acho que o Papa Francisco fez isso muito bem. Foi um homem que não se escondeu. Até a doença ele viveu sendo comunicada.
Quem não se lembra daquela imagem do papa subindo sozinho na praça São Pedro, durante a pandemia? Como aquilo consolou todos nós que estávamos enclausurados nas nossas casas. Como aquilo nos consolou é o papa rezando, papa diante do crucifixo, é pedindo pela humanidade. Era o grande orante naquele momento pedindo pelo sofrimento do seu povo. É uma imagem que correu o mundo, mas uma imagem também que falou que o mundo hoje é assim.
O Papa Francisco falava muito com a juventude. Como aproximar o jovem da Igreja?
A Igreja tem que ser cada vez mais a casa do jovem. Eu digo sempre, às vezes a gente faz uma caixinha, né, uma gavetinha e quer que o jovem entre ali, que o jovem seja moldado segundo aquilo que nós queremos. O jovem precisa ter o direito de manifestar a sua fé, de viver a sua fé, como jovem. Com suas alegrias, com suas esperanças, com sua cabeça, às vezes um pouco mais revolucionária. Então, é preciso cada vez mais acolher o jovem, é preciso cada vez mais fazer com que o jovem se sinta verdadeiramente em casa na igreja.
Por Isabela Stanga do Correio Braziliense
Foto: Wanderlei Pozzembom CB/DA Press / Reprodução Correio Braziliense