Entenda quais são as mudanças sobre a responsabilização das big techs

Entendimento firmado pela Corte é de que o Artigo 19 do Marco Civil da Internet é parcialmente inconstitucional e agora tem uma nova interpretação

STF (Supremo Tribunal Federal) formou a tese de ampliação da responsabilidade de conteúdos criminosos de terceiros publicados em plataformas digitais.

A Corte entendeu, por maioria, nesta quinta-feira (26), que o Artigo 19 do Marco Civil da Internet é parcialmente inconstitucional. A CNN conversou com especialistas e explica as principais mudanças sobre o tema.

Vigente no Brasil desde 2014, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) normatizava os direitos e deveres para o uso da internet no país. O artigo 19 permitia a responsabilização jurídica das empresas apenas em caso de descumprimento de ordem judicial para remoção de conteúdo.

Agora, com a tese fixada pelo STF, os ministros entenderam que o dispositivo é parcialmente inconstitucional por omissão. Ou seja, por não ser abrangente o suficiente para outros casos. O julgamento se encerrou com 8 a 3 favoráveis à nova tese.

O que diz a tese

Inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet

  • O artigo 19 é considerado parcialmente inconstitucional por não proteger adequadamente direitos fundamentais e a democracia.
  • Há uma omissão parcial do Estado em legislar sobre o tema.

Responsabilização civil de provedores de internet

  • Provedores podem ser responsabilizados civilmente por danos causados por conteúdos de terceiros.
  • Exceções existem em normas eleitorais e atos do TSE.

Nova interpretação 

  • Provedores são responsáveis por crimes ou atos ilícitos cometidos por terceiros, conforme o art. 21 do Marco Civil da Internet.
  • A regra também se aplica a contas inautênticas denunciadas.

Anúncios pagos e uso de bots

  • Plataformas são responsáveis por: anúncios e impulsionamentos pagos e postagens promovidas por chatbots
  • Isenção de responsabilidade ocorre se o provedor atuar com diligência e remover o conteúdo em tempo razoável.

Falha sistêmica

  • Considera-se falha sistêmica quando não há prevenção ou remoção de conteúdos ilícitos graves, como: pornografia infantil; terrorismo e discriminação religiosa, racial, sexual, entre outras.

Marketplaces e Código de Defesa do Consumidor

  • Plataformas que funcionam como marketplaces devem responder com base no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

Apelo ao Congresso

  • A tese faz um apelo ao Congresso Nacional para criar uma legislação específica sobre a responsabilidade civil de provedores.

Como avaliam especialistas

Na avaliação do advogado Felipe Moreira, sócio de Direito Digital do escritório Rayes & Fagundes, a tese formada representa uma mudança significativa na interpretação do Marco Civil da Internet.

O especialista analisa que há um avanço no regime de responsabilidade civil, especialmente das plataformas em relação aos conteúdos impulsionados ou patrocinados. “A partir da decisão, caberá às plataformas exercer controle prévio mais rigoroso sobre esse tipo de conteúdo, sob pena de responderem civilmente pela veiculação de materiais ilícitos”, diz.

Segundo ele, o ponto mais sensível da tese são as hipóteses em que se permite a remoção imediata de conteúdo sem qualquer notificação ou ordem judicial prévia, nos casos considerados de maior gravidade.

“Ainda que essas previsões busquem proteger a integridade do ambiente digital, o risco está na amplitude interpretativa dessas categorias. Isso pode, em determinados contextos, ser utilizado de forma abusiva e resultar em restrições indevidas à liberdade de expressão, aproximando-se da censura prévia. O desafio será, portanto, garantir que os mecanismos de remoção não sejam instrumentalizados para fins políticos ou ideológicos”, avalia Felipe Moreira.

Em outro ponto, o especialista considera que a menção ao Legislativo ocorreu mais institucionalmente, já que “a Corte não apenas reinterpretou o art. 19 do Marco Civil da Internet, como também estabeleceu um novo regime jurídico completo, com hipóteses de responsabilidade objetiva, critérios para retirada de conteúdo e deveres anexos às plataformas, o que evidencia o caráter normativo da decisão”.

Doutora em Direito Civil pela USP (Universidade de São Paulo) e sócia do Salles Nogueira Advogados, Amanda Celli Cascaes diz que a decisão “altera radicalmente o cenário legal brasileiro, aproximando-o do cenário norte-americano e europeu, onde a ordem judicial não é necessária para fins de remoção de conteúdos”.

Ela lembra que os conteúdos envolvendo crimes contra a honra e ilícitos cíveis ainda dependem de ordem judicial para remoção, seguindo a regra do artigo 19.

No aspecto relacionado a produção de uma nova norma pelo Congresso, Cascaes considera que “as diretrizes traçadas pelo STF acabam influenciando o processo legislativo (que sequer se sabe se será iniciado em um futuro próximo) e criando um período de exceção, durante o qual vigerá o acórdão com força de lei”.

Já o consultor em Direito Público e em Democracia Defensiva, e professor pela USP, Gustavo Justino, considera que o STF chegou a uma tese precisa e adequada sobre a responsabilidade dos provedores de serviços digitais e de redes sociais no país.

Para o especialista, a Corte acertou em estabelecer às big techs “a prevenção para que essas ações danosas e, muitas vezes, criminosas a direitos fundamentais de pessoas físicas e pessoas jurídicas não possam mais ocorrer”.

“Quanto melhor for esse devido processo legal informativo em relação aos usuários, e que vai levar essa prevenção da sua responsabilidade, melhor vai ser o serviço que vai ser prestado à sociedade brasileira”, conclui.

Por Por Brasília

Fonte CNN Brasil

Foto: CNN Brasil