Se AGU der aval, Lula recorrerá ao STF sobre decreto do IOF

Se contar com o aval da Advocacia-Geral da União (AGU), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir a constitucionalidade do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubou a proposta da equipe econômica para compensar o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ainda que ocorra a judicialização, ela não deverá solucionar o momento delicado da relação entre o Executivo e o Legislativo.

Na última sexta-feira (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que Lula solicitou à AGU uma análise sobre a possível usurpação de prerrogativas do Executivo por parte do Congresso ao barrar o decreto. Caso a AGU conclua que houve invasão de competência, o presidente deve recorrer à Suprema Corte. Segundo Haddad, Lula “não pode abrir mão” de fazê-lo, pois prometeu “cumprir a Constituição Federal”. A declaração foi dada à GloboNews.

Haddad também negou omissão por parte do presidente nas tratativas em torno do decreto. “Eu não vejo omissão, muito pelo contrário. Tudo passou pela mesa do presidente. Inclusive a renegociação do decreto sobre o IOF”, afirmou.

Surpresa

O ministro demonstrou surpresa com a reviravolta no Congresso e reiterou que a reunião de 8 de junho com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), indicava um caminho de diálogo. “Saí da casa do presidente Hugo Motta com a certeza de que tínhamos dado um encaminhamento para as questões, que iam ser debatidas. Porque ninguém ali fechou questão, fechamos um encaminhamento”, relatou. Ele também alertou que a decisão provocará uma perda de R$ 20 bilhões na arrecadação federal.

A AGU estuda o caso, mas antecipou que a decisão será técnica e ouvirá a equipe econômica.

Cenário sensível

O Correio da Manhã ouviu especialistas, que foram unânimes ao classificar o cenário como politicamente delicado, exigindo ações coordenadas por parte do Palácio do Planalto.

Na mesma sexta-feira, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) entrou com ação no STF para suspender a derrubada do decreto. Ao jornal, o cientista político Isaac Jordão avaliou que o governo pode tanto ingressar com uma ação própria — assumindo o protagonismo do embate — quanto deixar o Psol conduzir o processo, minimizando o desgaste político. Segundo ele, o governo deve “pagar pesado” em emendas parlamentares do segundo semestre até o início de 2026, o que pode ajudar a aliviar a crise.

Já a cientista política Letícia Mendes, da BMJ Consultores Associados, acredita que as emendas, por si só, não resolverão o impasse, embora veja espaço para reconstrução. “Depois de uma crise, há sempre um anel de oportunidade para o governo se reorganizar e, com isso, retomar a relação com o Legislativo, que desde o início da gestão é bastante maleável e sem bases sólidas. O Executivo vai precisar ter mais cautela e elaborar bem como será essa reconstrução”, afirmou.

Letícia destacou ainda que o governo tem uma agenda prioritária importante para aprovar após o recesso parlamentar, o que será fundamental para recuperar popularidade e preparar o terreno para as eleições de 2026. “Então, o presidente Lula, a partir de agora, vai ter que olhar com bastante cautela para o Poder Legislativo, para que outras crises não surjam. Crises sempre aparecem, mas é preciso criar um ambiente menos volátil”, disse à reportagem.

Lula 3

Na análise do cientista político Rócio Barreto, o terceiro mandato de Lula difere significativamente dos dois primeiros, marcados por negociações eficazes e conquistas legislativas. Segundo ele, a atual crise de articulação é agravada por derrotas sucessivas no Congresso e pela liberação de emendas sem retorno político. Apontou ainda que a judicialização da queda do decreto do IOF “é uma solução paliativa”.

O especialista defende uma reestruturação na articulação política, incluindo melhor coordenação entre a Casa Civil, os ministérios e o Congresso. Ele também propõe uma gestão estratégica das emendas parlamentares, atrelando-as a compromissos de fidelidade legislativa. “Falta estratégia na distribuição, no acompanhamento e no retorno político dessas liberações. O governo precisa investir mais em política do que apenas em recursos”, alertou Barreto.

Lembrou ainda o desgaste sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), impeachmada por falta de diálogo com os líderes partidários e pontuou que o atual chefe do Executivo tem histórico de protagonismo e habilidade política, algo que precisa ser resgatado. Uma agenda positiva no Congresso, segundo ele, é fundamental.

“A solução, como sempre, será a política. Fazer barganha, negociar, sentar à mesa, conversar e encontrar um denominador comum. É preciso comunicar melhor com a população, divulgar o que está sendo feito, neutralizar os pontos negativos e destacar os positivos. Com apoio popular, o presidente ganha mais força para negociar com o Congresso Nacional”, concluiu Barreto.

Por Por Brasília

Fonte Correio da Manhã

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil