Quais são as principais características de um trabalho?

O surgimento de “escritórios de faz de conta” na China mostra que a ideia de trabalho pode ser tão simbólica quanto prática — e nos convida a refletir sobre o que realmente significa ter um emprego ho

Fiquei com essa pergunta na cabeça depois de ver a notícia sobre os escritórios de fachada na China. Para quem não sabe do que estou falando, tem circulado uma notícia sobre uma espécie de tendência entre jovens que vivem no país asiático: pagar um valor diário para frequentar espaços que simulam a rotina de um escritório real, com mesas compartilhadas, pessoas usando computadores, internet disponível e uma série de outros elementos típicos de um ambiente de trabalho.

Por trás do movimento, existe uma taxa de desemprego alta entre o grupo, uma insegurança do que fazer mediante os avanços tecnológicos e um vazio simbólico sobre o que significa “ter trabalho”: status social, rotina estruturada, sensação de pertencimento.

Isso tudo foi transformado em oportunidade de negócio. Só que, para mim, mais do que o fato curioso dessa notícia, o que fica é a pergunta do título: quais são os principais elementos de um trabalho?

Afinal, toda simulação é também uma leitura do mundo em que vivemos.

Pense na sua infância e naquelas brincadeiras de faz de conta. Quando você fingia ser médico(a), professor(a) ou artista, ou se juntava com a turma para “trabalhar” em um mercadinho improvisado ou montar uma “escola”, estava representando a sua ideia daquele universo, ou seja, o que você acreditava ser trabalhar, ensinar ou cuidar das pessoas, por exemplo.

No caso do “faz de conta chinês”, algumas reportagens relatam que o serviço pago por “profissionais de brincadeira” podem incluir atribuições de tarefas, supervisão do trabalho e até uma pessoa desempenhando o papel de chefe — e isso tudo me parece muito simbólico.

Uma vez que o público-alvo desse novo “segmento de mercado” é a juventude chinesa, suponho que os “escritórios de mentira” precisem responder aos anseios desse recorte populacional. Provavelmente, tais espaços foram pensados para, mais do que suprir uma demanda imediata, refletir uma aspiração.

No caso, uma aspiração por rotina, contato próximo com outras pessoas, sentir-se útil e parte de um coletivo.

Será que, se fôssemos importar essa ideia de negócio para as terras brasileiras, a construção de um “trabalho de faz de conta” seria igual?

Calma, essa não é uma pergunta para inspirar nenhum empreendimento aos moldes chineses, mas para refletirmos se conhecemos a fundo o que a juventude do nosso país valoriza, deseja e busca. Na verdade, o ideal é falar em juventudes com “s” no final — porque elas são, assim, plurais, diversas e com expectativas que variam conforme o contexto, história de vida e realidade socioeconômica.

Espero, sinceramente, que você e eu não tenhamos que, um dia, pensar nessa questão para desenvolver um projeto similar a este a fim de dar conta de problemas estruturais da nossa sociedade. Contudo, desejo, sim, que essa seja uma pergunta discutida entre as lideranças das organizações, pesquisada por universidades, institutos e centros de inovação social e analisada à luz das transformações culturais e geracionais.

Um trabalho não é só o nome de uma empresa no currículo, um cargo no LinkedIn, um job description ou a remuneração ao final do mês. Ele representa, acima de tudo, um espaço de pertencimento, de construção de identidade e de contribuição para algo maior.

Por Por Brasília

Fonte Exame

Foto: sakchai vongsasiripat/Getty Images