Em uma sociedade que transformou a pressa em status e o acúmulo em orgulho, a jornalista Izabella Camargo vem, há anos, desafiando o mito da produtividade infinita. Com a autoridade de quem enfrentou um burnout e precisou reconstruir a própria identidade, ela afirma.
“É um delírio achar que fazer tudo ao mesmo tempo é produtividade.”
A afirmação, feita durante o 2º Congresso da Mulher Brasileira sintetiza o que se tornou a base de seu trabalho: lembrar que saúde mental não é sobre força, é sobre limite; não é sobre fazer mais, mas sobre fazer melhor.
A versão desatualizada de si mesmo
O ponto de partida de Camargo é sempre a coragem de olhar para dentro e por isso ela provoca uma comunicação centrada no “eu”.
“Você pode estar vivendo uma versão desatualizada de você.”
Para ela, o maior risco não é o excesso de tarefas, é o excesso de incoerência. Gente adulta, com responsabilidades crescentes, tentando viver com padrões, expectativas e comportamentos de outra fase da vida.
“As prioridades mudam. Os objetivos mudam. E isso é maravilhoso”, afirma.
Camargo defende que a saúde mental começa no ato simples — e muitas vezes doloroso — de atualização de identidade: reconhecer que aquilo que fazia sentido ontem pode não caber mais hoje.
A pressa que adoece mais que a falta de tempo
Um dos pilares da sua mensagem é esclarecer que tempo não acelera. O relógio é o mesmo para todos; quem muda é a maneira como nos relacionamos com ele.
“O tempo da natureza continua o mesmo. Quem está passando mais rápido pelo tempo somos nós,” afirma.
Essa constatação desmonta a justificativa mais repetida nos ambientes de trabalho. Não é a agenda que está impossível. É a vida que está insustentável.
O básico que mantém a vida de pé
Para Camargo, a saúde mental começa no simples: dormir, comer, ir ao banheiro, respirar. Mas o simples, no século da hiperconexão, virou luxo. “É o simples que estamos negligenciando.”
Ela relata, por exemplo, o impacto transformador que ouviu de um executivo ao decidir bloquear a hora do almoço. Pequenas decisões, segundo ela, não só preservam foco, mas dão condições reais de tomada de decisões. “Não existe alta performance sem autocuidado.”
A comunicação que falta: não com o mundo, mas consigo
Seu ponto central — talvez o mais importante — é que o burnout não nasce do excesso de demandas externas, mas da falta de escuta interna.
“Nós estamos adoecendo por falta de comunicação interna.”
É o alerta de quem viveu exatamente isso: manter uma imagem funcional enquanto o corpo gritava.
A solução, segundo a comunicadora, não está em buscar outro método de produtividade, mas em aprender a conversar consigo mesmo. Perguntar o que precisa. Entender o que dói. Reconhecer o que mudou.
“Viver para agradar, se adaptar a ambientes tóxicos ou empurrar relações profissionais e pessoais que machucam não é resiliência — é autoabandono”, afirma.
A escolha de estar na própria agenda
Depois de atravessar o colapso, ela compreendeu o que hoje repete a milhares de pessoas.
“Se você não se incluir na própria agenda, você vai acabar fora dela.”
A frase virou um mantra para profissionais que confundiram produtividade com autoexigência desumana. Para Camargo, presença é o novo indicador de sucesso. E saúde mental, o novo passaporte para longevidade profissional e pessoal.
Por Por Brasília
Fonte Exame
Foto: Izabella Camargo/Divulgação













