Entenda qual foi um dos fatores decisivos nas eleições municipais

Montante bilionário que ficou sob o poder de parlamentares, sem critérios técnicos e de transparência, influenciou nos resultados das urnas no primeiro turno

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Mais de uma semana após o primeiro turno das eleições municipais, fica evidente o peso das emendas parlamentares, ou do chamado orçamento secreto, para manter no cargo políticos que foram beneficiados com os recursos. Em quatro anos, ou seja, de 2020 a 2023, esse tipo de repasse representou um montante de R$ 35 bilhões — que tiveram força suficiente para definir em milhares de municípios quem seriam os eleitos.

Principais beneficiados com os recursos, partidos do Centrão conquistaram 60% das 5 mil prefeituras do país. A esquerda perdeu força no primeiro turno e amargou um dos piores resultados em pleitos municipais desde a redemocratização.

As chamadas emendas do relator, que eram transferidas para obras e projetos indicados por deputados e senadores, foram proibidas, em 2022, por uma decisão da ministra Rosa Weber, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, no primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os recursos continuaram sendo pagos por uma interpretação da decisão do Supremo, que gerou uma brecha para manter parte dos recursos, por meio das chamadas emendas Pix, que seguiram com o mesmo protocolo da falta de transparência sobre as destinações dos recursos.

Em 2020, as emendas do relator representaram a liberação de R$ 7 bilhões e seguiram crescendo nos anos seguintes. Em 2021, foram R$ 10,4 bilhões e em 2022, até agosto, quando ocorreu a decisão do Supremo, foram R$ 10,6 bilhões. No primeiro ano do governo Lula, R$ 7 bilhões foram repassados para cidades que contavam com apadrinhados políticos no Congresso. O chamado Centrão, grupo que envolve deputados de partidos, como o PSD, MDB, Progressistas, Republicanos, União Brasil, conquistou 3476 prefeituras, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O Centrão é o principal destino do orçamento secreto e foi o maior beneficiado na eleição deste ano — enquanto a esquerda perdeu espaço.

Das 26 capitais dos estados, 11 elegeram prefeitos no primeiro turno. O PSD foi o grande vitorioso, conquistando cadeiras nos municípios do Rio de Janeiro, de São Luís e de Florianópolis. O PL, o MDB e o União Brasil tiveram vitórias em duas capitais cada. O Republicanos e o PSB ganharam cada um em uma. Partidos de esquerda, como PT, PSol e outros, não tiveram resultado positivo em nenhuma capital.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), forte articulador das emendas do relator, comemorou o fato de seus aliados terem se elegido ou conseguido a reeleição em 42 prefeituras dos 102 municípios de Alagoas. Um dos casos é do pai dele, Benedito de Lira, que com 82 anos de idade vai ficar por mais quatro anos na Prefeitura de Barra de São Miguel, para um segundo mandato.

Impactos

O cientista político Magno Karl destacou que as emendas parlamentares cresceram de forma bastante significativa nos últimos 10 anos. “O volume de recursos apropriados pelos deputados para execução em relação ao orçamento cresceu significativamente. E isso tem um impacto na política local que vai além da preocupação que a gente geralmente tem com esse tipo de emenda”, disse.

Segundo o especialista, o volume de recursos que é indicado pelos parlamentares faz relevante diferença nos resultados eleitorais. “Uma emenda de alguns milhões de reais vinda de um deputado tem a possibilidade de fazer uma política pública dar certo ou não, fazer uma obra destravar ou não, um hospital ser construído ou não. Então, o poder que as emendas parlamentares trazem em termos de poder político para os deputados que destinam essas emendas a municípios de sua base eleitoral é bastante significativo”, frisou.

Magno Karl disse ainda que a quantidade de recursos gera um certo desequilíbrio das relações políticas nos municípios. “As emendas desequilibram a política local. As conexões políticas de políticos locais com deputados federais se tornam muito mais necessárias para o sucesso eleitoral local por conta do aumento do volume e da quantidade de recursos empenhados nessas emendas. A destinação de emendas em municípios tem o poder de desequilíbrio político ou um poder de significância política muito importante”, complementou o analista.

Leonardo Rossatto Queiroz, cientista social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembrou que a consequência da distribuição intensa e sem critérios técnicos dos recursos é a baixa renovação no cenário eleitoral.

“O papel do orçamento secreto nas eleições ainda precisa ser melhor sistematizado por pesquisas acadêmicas, mas o fato é que as duas últimas eleições, as mais influenciadas pelas emendas, apresentaram menor índice de renovação nas prefeituras. Em 2024, 81% dos prefeitos que tentaram reeleição foram reeleitos. Se considerarmos que na eleição de 2020 também tivemos altos índices de reeleição, estamos falando de um índice muito baixo de renovação nas administrações municipais, porque os prefeitos que se reelegeram em 2020 não podem disputar novamente em 2024”, diz o especialista em políticas públicas.

Queiroz afirmou também que não só as emendas do relator, mas também o orçamento impositivo, implicam o cenário político do país. “O papel das emendas nesse contexto não pode ser desprezado. A emenda impositiva, a partir de 2015, e o orçamento secreto, a partir de 2019, mostraram-se instrumentos poderosos de descentralização do Orçamento federal”, ressaltou. “Se, por um lado, as emendas comprometem boa parte da capacidade de investimento e de desenvolvimento de políticas públicas da União, por outro, elas facilitam a chegada dos recursos diretamente aos municípios, e fazem isso de forma vinculada ao agente político que está no poder”, acrescentou o especialista da Unicamp.

Por Renato Souza e Júlia Portela do Correio Braziliense

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A. Press / Reprodução Correio Braziliense