A isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil não é prioridade no Congresso em 2024. Foi o que enfatizaram, nesta sexta-feira, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quase simultaneamente. Embora o governo tenha se reunido com ambos para apresentar-lhes o pacote de corte de gastos e evitar rusgas, os chefes do Legislativo querem que a discussão sobre as mudanças no IR ocorra sem pressa, com uma análise detalhada de onde sairá o dinheiro para cobrir os R$ 35 bilhões — segundo as contas do Ministério da Fazenda — que a União deixará de arrecadar com a medida.
“Inflação e dólar altos são mazelas que atingem de forma mais severa os mais pobres. Qualquer outra iniciativa governamental que implique renúncia de receitas será enfrentada apenas no ano que vem, e após análise cuidadosa e, sobretudo, realista de suas fontes de financiamento. E efetivo impacto nas contas públicas. Uma coisa de cada vez. Responsabilidade fiscal é inegociável”, postou Lira em rede social.
Quanto ao restante do pacote, ele ressaltou que a Câmara tem um “compromisso inabalável” com o arcabouço fiscal. “Toda medida de corte de gastos que se faça necessária para o ajuste das contas públicas contará com todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa, que está disposta a contribuir e aprimorar”, destacou.
Pacheco, por sua vez, ressaltou que a isenção do IR é um “desejo de todos”, mas “não é pauta para agora”. “Só poderá acontecer se (e somente se) tivermos condições fiscais para isso. Se não tivermos, não vai acontecer”, avisou. “Mas essa é uma discussão para frente, que vai depender muito da capacidade do Brasil de crescer e gerar riqueza, sem aumento de impostos.”
O presidente do Congresso acrescentou que esse pacote deve ser tratado como “o início de uma jornada de responsabilidade fiscal”.
Segundo a Unafisco Nacional, que representa os auditores fiscais da Receita Federal, a isenção do IR custaria ao governo, em queda de arrecadação, R$ 45 bilhões por ano — R$ 10 bilhões a mais do que o valor anunciado pelo governo.
A equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fala em compensar esses valores taxando quem ganha mais de R$ 50 mil, mas somente quando o texto do Imposto de Renda for de fato apresentado é que será possível analisar se a conta fecha.
Em termos práticos, não há grandes problemas em deixar a discussão para o ano que vem, já que o governo quer isentar o IR só a partir de 2026. O que há é um risco político para o Planalto, que anunciou uma medida popular para dourar a pílula de uma série de outras impopulares e, agora, vai ter de esperar para negociar com os novos presidentes da Câmara e do Senado, a serem eleitos em fevereiro do próximo ano.
Em política, muita coisa pode acontecer em dois meses, e há chances de que o tema seja postergado, a depender da vontade política dos novos líderes do Legislativo.
Mesmo sendo uma medida popular, não é possível prever com certeza quais temas serão prioritários no início de 2025.
No caso das demais medidas do governo a serem votadas neste ano, há um outro problema: o tempo é exíguo, e líderes de bancadas já dizem, nos bastidores, que será difícil votar quaisquer medidas do governo se o Supremo Tribunal Federal (STF) não desbloquear as emendas parlamentares — cujos repasses foram suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falta de transparência e rastreabilidade.
Projetos
Nesta sexta-feira, o governo enviou ao Congresso duas propostas que integram o pacote de corte de gastos: um Projeto de Lei (PL) e um Projeto de Lei Complementar (PLP). O Planalto ainda articula uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para alterar regras como repasses ao Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb).
Os textos foram apresentados pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e ambos têm temas sensíveis que encontrarão resistência tanto na Câmara quanto no Senado.
O PL 4.616 de 2024 contém algumas das principais mudanças propostas pelo governo, como alterações nos cadastros e nos critérios de concessão de benefícios sociais, limitação do aumento real do salário mínimo até 2030 e alteração na correção anual do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) — fortemente combatido pelo governo do Distrito Federal e por aliados do governador Ibaneis Rocha (MDB) na política local.
“O projeto de lei tem a finalidade de racionalizar despesas públicas primárias, com vistas a aperfeiçoar o orçamento público e ajustar o ritmo de crescimento do gasto obrigatório ao disposto na Lei Complementar 200 (arcabouço fiscal)”, disse Guimarães na justificativa.
Já o PLP 210 de 2024 faz alterações na lei do arcabouço fiscal. Muda, entre outras coisas, a limitação ao crescimento anual de despesas; os gatilhos de corte de gastos, se houver deficit nas contas públicas; a aplicação de recursos para fundos específicos; e o contingenciamento e o bloqueio de emendas parlamentares consideradas discricionárias (não obrigatórias) — com limite de 15% das dotações identificadas como emendas.
Por Israel Medeiros e Júlia Portela do Correio Braziliense
Foto: Lula Marques/ Agência Brasil / Reprodução Correio Braziliense