O Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, enfrenta na cúpula de Joanesburgo, de terça (22) a quinta-feira (24), o tema que deve definir o futuro e o perfil político do grupo criado para coordenar ações entre algumas das principais economias emergentes do mundo.
Na reunião, que contará com as presenças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, do dirigente chinês, Xi Jinping, e do líder da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o bloco analisará se aceita novos membros e a que ritmo uma expansão se daria.
Entre outros pontos, o formato a ser desenhado no rico distrito de Sandton, na capital financeira sul-africana, deve indicar ainda se o Brics assumirá caráter mais político de contraposição a Estados Unidos e G7. Isso porque entre os mais de 20 candidatos a entrar no clube há países que antagonizam frontalmente com Washington, como Venezuela, Cuba, Irã e a Belarus, forte aliada de Moscou contra a Ucrânia.
A lista de postulantes inclui ainda as monarquias do Golfo Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, os vizinhos do Brasil Argentina e Bolívia, a Indonésia e importantes nações africanas como Egito e Nigéria.
Em maior ou menor nível, a expansão sempre esteve na agenda do Brics, tanto que os sul-africanos entraram no final de 2010, um ano e meio depois da primeira cúpula do clube, na Rússia. A ampliação é um projeto de longa data impulsionado pela China, mas enfrentava resistência dos demais sócios.
Mais de dez anos depois, a situação mudou. Pequim se consolidou como potência e viu crescer sua capacidade de influenciar o tabuleiro internacional. Em guerra contra a Ucrânia, a Rússia precisa do apoio chinês e não deve ser obstáculo à expansão. A África do Sul encara situação semelhante, com seu papel de liderança regional questionado diante de economias mais poderosas em seu continente.
Até mesmo Brasil e Índia em geral os mais inflexíveis contra a ideia têm dado sinais de que podem ceder. Recentemente, o chanceler indiano, Subrahmanyam Jaishankar, disse ver com a “mente aberta” a possibilidade de expansão, desde que haja regras para embasar as incorporações. Interlocutores dizem que o país se mostra disposto a aceitar o ingresso de alguns dos candidatos, como os do Golfo.
Já Lula deu declarações citando Arábia Saudita, Venezuela e Argentina como possíveis novos membros do Brics, o que colocou em xeque a posição do Itamaraty contra a expansão. Assim, a chancelaria brasileira tem negociado critérios para ao menos arrancar compromissos em troca da ampliação do bloco.
Os critérios ainda estão sendo negociados entre diplomatas dos cinco membros. O Brasil quer que os novos sócios declarem apoio à causa da reforma dos atuais mecanismos de governança internacional, entre os quais o Conselho de Segurança da ONU, além da defesa de uma arquitetura que preserve algum tipo de equilíbrio geopolítico. Existe a preocupação de que um crescimento desenfreado que inclua adversários históricos dos EUA seja percebido como o embarque do Brasil numa aliança antiamericana.
Para os assessores mais próximos de Lula, o Brics é crucial na estratégia do país de lutar por instituições internacionais que reflitam o atual caráter multipolar do mundo. Os auxiliares do petista dizem que o arranjo atual seja no Conselho de Segurança ou em fóruns econômicos não abre espaço para países emergentes e responde prioritariamente aos interesses dos EUA e de seus aliados europeus.
Não à toa, Lula frequentemente defende a necessidade de saídas para reduzir a dependência do dólar no comércio entre países em desenvolvimento ideia vista com ceticismo por analistas e setores dentro do próprio governo. Uma das críticas veio do economista que cunhou o termo Bric pela primeira vez, em 2001. Ao Financial Times Jim ONeill disse que a ideia de uma moeda para transações intrabloco era simplesmente “ridícula”. “Vão criar um Banco Central do Brics? Como fariam isso? É quase constrangedor.”
Para o governo Lula, o Brics alcançou ao longo da sua trajetória resultados que vão além da coordenação política e dos comunicados conjuntos. O principal deles é o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), que financia projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável nos países membros. Mesmo com carteira inferior à de outros bancos multilaterais, trata-se de uma instituição integralmente controlada por países emergentes, que sobrevive há quase dez anos e que passa por um processo de expansão próprio.
Mas o bloco também enfrenta contradições internas que levantam dúvidas sobre o funcionamento do clube e até mesmo sobre o seu futuro. O principal dilema talvez seja como equilibrar os interesses de China e Índia, as maiores economias do Brics. Os gigantes asiáticos ainda não resolveram uma disputa de fronteira e há um histórico de violentas escaramuças militares a mais recente ocorreu em dezembro.
No início do mês, chegaram a circular rumores de que Modi participaria apenas virtualmente da cúpula devido ao incômodo com a crescente influência da China no bloco. A presença do premiê da Índia foi confirmada dias depois, mas a mera hipótese preocupou a presidência de turno dos sul-africanos, que já têm que lidar com a ausência do líder da Rússia, Vladimir Putin impedido de viajar ao país em razão do mandado de prisão do TPI (Tribunal Penal Internacional) por supostos crimes de guerra na Ucrânia.
A África do Sul é signatária do tratado que criou a corte, e, assim, o país em tese é obrigado a prender o líder russo caso ele desembarcasse em território sul-africano. Houve pressão do Ocidente sobre Pretória, que chegou a considerar a transferência da cúpula para a China.
Nesse cenário de rivalidade regional, a China é contra uma reforma do Conselho de Segurança da ONU que inclua a Índia, o que cria uma trava às aspirações do Brasil de integrar o órgão de forma permanente.
Outro golpe contra o pleito brasileiro veio do chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, que representará Putin na cúpula na África do Sul. Em visita a Brasília, em abril, o diplomata disse que o Brasil errou ao articular a ampliação do Conselho de Segurança com Japão e Alemanha dois países do G7 que participam da estratégia de isolamento de Moscou devido à Guerra da Ucrânia.
Na mesma entrevista ao Financial Times, Jim O’Neill chamou a atenção para as divergências entre as duas maiores economias do Brics. “É algo bom para o Ocidente que China e Índia nunca concordem em nada. Se concordassem, a dominância do dólar estaria muito mais vulnerável.”
O jornalista viajou a convite do governo da Índia
CANDIDATOS A ENTRAR NO BLOCO
Argélia
Argentina
Bangladesh
Barein
Belarus
Bolívia
Cuba
Egito
Etiópia
Honduras
Indonésia
Irã
Cazaquistão
Kuwait
Marrocos
Nigéria
Arábia Saudita
Senegal
Palestina
Tailândia
Emirados Árabes Unidos
Venezuela
Vietnã
Por Redação do Jornal de Brasília
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Reprodução Jornal de Brasília