Em um ambiente que celebra a inovação e o futuro da tecnologia, elas ainda são minoria. Entre oficinas de robótica, estandes de inteligência artificial e maratonas de programação, mulheres que participaram da Campus Party Brasília enfrentam, além dos desafios técnicos, a barreira da representatividade. Realizada entre 18 e 22 de junho, na Arena Mané Garrincha, o evento reuniu cerca de 150 mil pessoas. No entanto, a participação feminina segue sendo um desafio. Ainda não há dados desta edição, mas bastava circular pelo local para perceber isso.
O cenário reflete a realidade desigual do mercado de tecnologia no Brasil. Uma pesquisa da Serasa Experian de 2024 aponta que apenas 0,07% das mulheres brasileiras atua no setor, o equivalente a cerca de 69,8 mil profissionais em todo o país. Isso em uma área que oferece salários competitivos e boas perspectivas de crescimento.
Luiza Costa, 24 anos, foi uma das duas mil pessoas que acamparam na Campus Party. Estudante de engenharia mecatrônica e presidente da empresa júnior de computação CJR da UnB, apesar do sucesso no meio acadêmico, ela vive uma rotina que reflete as estatísticas: ser, com frequência, a única mulher em uma sala com 40 homens. “Já pensei em desistir do curso por conta disso. Mas a gente aceita e segue”, afirma.
A estudante de engenharia de software Mayara Marques, 20, foi uma das palestrantes do evento e abordou as barreiras enfrentadas por mulheres na tecnologia. Integrante do projeto de extensão Meninas.Comp, que busca incentivar a participação de mulheres nas áreas de exatas, ela destacou a importância de ter referências femininas no setor. “No começo do curso, eu achava tudo muito difícil e pensava que não iria conseguir atravessar essas barreiras, mas sei que já ultrapassei e vou ultrapassar muitas outras. A gente sempre precisa ter alguém para se espelhar.”
Impacto social
A Campus Party trouxe iniciativas voltadas à inclusão. No estande da PyLadies, comunidade internacional que apoia a inserção de mulheres na tecnologia, a analista de sistemas e professora Kadidja Oliveira, 51, destacou os desafios enfrentados no mercado de trabalho. “Em uma entrevista de emprego, competimos apenas com homens. O processo seletivo deve, independentemente do gênero, qualificar a gente por nossas competências e habilidades”, defendeu.
Karla Roberto, engenheira de produção e professora, relatou sua atuação como gestora para ampliar as oportunidades para mulheres. “Faço questão de priorizar a contratação de mulheres. Como professora, ensino aos alunos homens como tratar suas colegas e o que é machismo estrutural. Já como mãe, eduquei meu filho para não enxergar mulheres como inferiores”, destacou.
Aos 18 anos e prestes a ingressar na faculdade, Giselly Custódio acumula experiência no desenvolvimento de soluções tecnológicas com foco em impacto social. Frequentadora de feiras científicas desde os 15 anos, ela trabalha com protótipos de aplicativos. Recentemente, criou uma ferramenta para auxiliar deficientes visuais a se locomoverem de forma autônoma no ambiente escolar. Pelo projeto, recebeu reconhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e foi bolsista por três anos seguidos na Iniciação Científica Júnior (ICJr).
“Quando vejo um problema social, penso em como posso resolver por meio da tecnologia”, afirma. Giselly também tem a percepção de que o ambiente da programação e da tecnologia ainda é predominantemente masculino. Para ela, apesar da existência de premiações voltadas para mulheres na ciência, ainda falta incentivo para aumentar a presença feminina no setor. “Vejo muitas mulheres interessadas, mas que não desenvolvem projetos por falta de oportunidade. O que falta, na verdade, é incentivo”, avalia.
Hackaton
A brasiliense Yasmin Costa, 22 anos, desenvolvedora de software e graduanda em ciência da computação, liderou, ao lado das colegas Sara Tavares, 22, e Valéria Gomes, 33, o desenvolvimento de um aplicativo voltado à segurança de mulheres no Distrito Federal. O projeto garantiu à equipe o terceiro lugar no desafio de hackathon promovido pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) no evento. A iniciativa teve como objetivo incentivar soluções tecnológicas para problemas reais da capital, e as melhores propostas poderão ser incorporadas como ferramentas da SSP-DF.
Batizado de Aurora, o app foi pensado para oferecer recursos de proteção e coleta de provas em casos de violência doméstica. A equipe buscou desenvolver o app com base em dores reais vividas por elas e por mulheres próximas. “O app é camuflado, então, se o agressor tentar acessar, ele não consegue ver as provas registradas nem os relatos da vítima. Também é possível armazenar áudios, vídeos, fotos e documentos como provas, e ativar recursos de geolocalização para que alguém de confiança acompanhe em tempo real quando ela estiver se sentindo em risco”, detalha. O aplicativo inclui um botão de pânico com acionamento direto e prioritário da polícia.
Além do projeto, Yasmin ressalta a atuação da comunidade feminina de tecnologia do DF, a Somos Tech, da qual é vice-presidente. O grupo realiza mentorias, capacitações e rodas de conversa para ampliar a participação de mulheres na tecnologia. “A tecnologia ainda é um meio em que os homens têm uma grande porcentagem de participação, então vencer esse prêmio traz uma sensação de representatividade, mostrar para mulheres que estão e que querem entrar nessa área que elas são capazes”, disse.
*Estagiária sob a supervisão de Malcia Afonso
Por Por Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press