Cânceres gastroinstestinais atingem 710 pessoas por ano no DF

Número representa cerca de 22,34 casos anuais a cada 100 mil habitantes do Distrito Federal. Protocolo da rede pública usa exames de fezes e a colonoscopia para fazer o diagnóstico precoce e aumentar as chances de cura

Dor abdominal, perda de peso, fezes com sangue, anemia de causa desconhecida: esses são alguns dos sintomas de alerta para os cânceres gastroinstestinais. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer, a incidência do câncer colorretal, o mais comum entre os tumores gástricos e intestinais, atinge 710 pessoas por ano no Distrito Federal, o que representa, aproximadamente, 22,34 casos a cada 100 mil habitantes. No Brasil, o número é um pouco menor, com 21,10 por 100 mil no ano.

Atrás apenas dos cânceres de mama e de próstata, o câncer colorretal atinge o cólon, o reto e o canal anal. Segundo o cirurgião coloproctologista Pedro Henrique Morais, esse tipo de doença é típico de países em desenvolvimento, que sofrem com o processo de industrialização dos alimentos e o sedentarismo da população. “Esse câncer está muito atrelado a alimentos ultraprocessados, principalmente carnes ultraprocessadas e embutidas, comuns em comunidades em situação de pobreza nutricional”, explicou. 

O profissional esclarece que o rastreio do câncer é feito a partir de uma colonoscopia, exame endoscópico que visualiza o intestino grosso e o reto, altamente recomendado para pessoas a partir de 45 anos, que têm mais predisposição a desenvolver a doença. O especialista explica que a maior incidência se dá devido ao acúmulo de danos ao DNA, diminuição da eficácia do sistema imunológico e dos impactos do estilo de vida ao longo dos anos.

Camila Galdino, de 46 anos, descobriu um câncer colorretal metastático em 2020, aos 41 anos, depois de sentir fortes dores abdominais. No hospital, ela foi diagnosticada com infecção urinária e encaminhada para casa. “Eu achei estranho, porque as dores foram se intensificando. Então, achei melhor procurar um especialista que me encaminhou para a colonoscopia, onde descobri a doença”, lembrou. 

O tratamento, que envolveu 12 ciclos de quimioterapia e uma cirurgia, foi o momento mais difícil de todo o período com a doença. Mesmo assim, ela não se abalou. “Eu só pensava no quanto eu queria estar viva e tentava deixar o processo um pouco mais leve”, contou. Conhecida no hospital por dançar durante as quimioterapias, Camila começou a compartilhar sua história no Instagram, onde reuniu uma comunidade dos “oncofriends”, ou amigos oncológicos, como ela chama os seguidores. 

Hoje, Camila está em remissão da doença e vê a descoberta e o tratamento do câncer como um renascimento. “Tudo o que eu passei me transformou para melhor. De certa forma, eu sou grata por ter passado por isso e continuar viva, agora, mais saudável do que nunca”, comemorou. 

Apesar da incidência maior em pessoas mais velhas, Morais alerta que as doenças têm sido encontradas em pessoas mais novas com frequência. Como no caso da cantora Ananda Paixão, de 27 anos, que descobriu um câncer de reto avançado em 2021, depois de dois anos indo frequentemente ao banheiro e sentindo desconfortos para fazer suas necessidades. “Eu cheguei a ir quase 30 vezes ao banheiro. Depois piorou e comecei a ter muco e sangramento nas fezes”, relatou. 

A artista contou que o tratamento teve 28 sessões de radioterapia, nove sessões de quimioterapia e duas cirurgias. Em uma delas, precisou retirar parte da porção final do tecido do reto e, durante um período, usou a bolsa de ileostomia para desviar o fluxo do intestino delgado. Hoje, os médicos consideram que Ananda está curada. “É um tratamento muito cansativo, no fim eu estava exausta, mas sempre digo que a arte me manteve viva durante todo esse período”, disse, emocionada.

Rastreamento

De acordo com o médico Pedro Henrique Morais, o rastreamento preventivo do câncer permite o diagnóstico precoce e facilita o tratamento. “Se encontramos o tumor no início, o paciente tem 90% de chance de cura. Além de prevenir que as pessoas desenvolvam o câncer, porque podemos encontrar um pólipo inicial, fazer a retirada e o paciente nem desenvolver nada”, destacou.

Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) implantou um novo protocolo de rastreamento do câncer colorretal, como explica o chefe da Assessoria de Política de Prevenção e Controle do Câncer (Asccan) da pasta, Gustavo Ribas. “O protocolo consiste em exames de testagem do sangue oculto, que chamamos de FIT, e, em casos positivos, o paciente é encaminhado para colonoscopia”, detalhou.

O teste imunoquímico fecal — FIT, do inglês fecal immunochemical test — é um exame que detecta a presença de sangue nas fezes, mesmo que não seja visível a olho nu, utilizando anticorpos que reagem especificamente com a hemoglobina humana.

Segundo Ribas, os pacientes que relatam os sintomas de alerta, ou têm histórico de câncer na família, são diretamente encaminhados para a realização dos exames, independentemente da idade. Pessoas acima dos 50 anos entram no critério de classificação automaticamente, com ou sem sintomas. “Essa ação permite que o diagnóstico seja cada vez mais precoce e aumenta as chances de cura”, informou.

A porta de entrada do paciente para se submeter aos procedimentos é a Unidade Básica de Saúde (UBS). “O protocolo começa na atenção primária, onde os médicos de saúde da família vão identificar esses pacientes de risco e solicitar o rastreamento”, afirmou Ribas. Caso o FIT seja positivo, os exames de colonoscopia são feitos nos hospitais regionais de Sobradinho (HRS), Ceilândia (HRC), Taguatinga (HRT), Gama (HRG) e no Hospital de Base (HBDF).

No Hospital Universitário de Brasília (HUB) e no HBDF, é oferecido o exame de imuno-histoquímica, feito após a coleta de algum material na colonoscopia, que determina diversas características dos tumores, como a origem, seus tipos e subtipos, e auxilia em condutas terapêuticas específicas.

Urgência

Cerca de 75% das pessoas ostomizadas atendidas pelo SUS no Distrito Federal passaram pelo procedimento em decorrência de cânceres gastrointestinais, segundo a presidente da Associação dos Ostomizados do DF, Ana Paula Batista. Para ela, esse dado evidencia a urgência de ampliar o rastreamento dessas doenças na rede pública. “Quando há cadastro e rastreamento, há chances reais de prevenir, planejar ações, organizar orçamentos e acolher melhor cada paciente”, assinalou.

Ostomizada há 15 anos por conta de um câncer raro, Ana Paula defende que o novo protocolo do DF seja mais divulgado, especialmente nas regiões administrativas. “Exames simples, como o de sangue oculto nas fezes, são um grande passo. É preciso envolver os jovens e trabalhar de forma integrada com as clínicas da família”, completou. 

À frente da associação, ela acompanha de perto histórias marcadas por diagnósticos tardios, realidade que espera ver transformada com o novo protocolo de rastreamento. “A única coisa que a gente tem quando descobre o câncer é a esperança de continuar vivo. Espero que esse novo protocolo traga essa esperança para as pessoas o quanto antes”, ressaltou.

Sintomas

• Sangue nas fezes

• Mudança do hábito intestinal

• Dor ou desconforto abdominal

• Alteração na forma das fezes (fezes no formato de fita, achatadas, muito finas e compridas)

• Fraqueza e anemia

• Perda de peso sem causa aparente

• Massa (tumoração) abdominal

Tratamentos

Os principais tratamentos dos cânceres gastrointestinais ainda incluem abordagens tradicionais, como cirurgia, quimioterapia e radioterapia. No entanto, essas modalidades têm evoluído significativamente: cirurgias cada vez mais precisas e menos invasivas, como a robótica, e técnicas de radioterapia mais eficazes e menos tóxicas ao paciente.

Os maiores avanços, porém, vêm da medicina personalizada. Estudos e pesquisas cada vez mais sofisticados têm permitido terapias imunológicas e terapias-alvo baseadas em marcadores moleculares específicos de cada tumor e indivíduo. Essas estratégias têm proporcionado ganhos reais em tempo de vida e qualidade, especialmente nos casos avançados.

Onde buscar atendimento

  • Primeiros cuidados: Procure a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima para avaliação inicial e encaminhamentos.
  • Colonoscopia: Exames estão disponíveis nos hospitais regionais de Sobradinho (HRS), Ceilândia (HRC), Taguatinga (HRT), Gama (HRG) e também no Hospital de Base (HBDF).
  • Análise do tumor: A investigação mais aprofundada é feita no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e no Hospital de Base (HBDF).

Hábitos saudáveis e prevenção

Márcio Almeida, oncologista 

Os cânceres gastrointestinais — que compreendem tumores do esôfago,estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado e cólon/reto —estão entre os mais prevalentes e letais no Brasil. De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer colorretal é o segundo mais incidente entre os homens (excluindo os casos de câncer de pele não melanoma) e o terceiro entre as mulheres. No total, os tumores do trato digestivo são responsáveis por aproximadamente 30% das mortes por câncer no país.

Os avanços tecnológicos têm representado um importante progresso no enfrentamento dessas neoplasias. Intervenções cirúrgicas de alta complexidade, imunoterapia e terapias-alvo vêm ampliando a sobrevida em tumores anteriormente considerados de difícil controle.

No entanto, a prevenção — por meio de estratégias simples e debaixo custo — permanece como a abordagem mais eficaz. Evidências recentes, publicadas em periódicos como New England Journal of MedicineJAMA OncologyJournal of Clinical Oncology,reforçam o papel fundamental dos hábitos de vida saudáveis na redução do risco de câncer gastrointestinal.

Atividade física: A prática regular de exercícios físicos — como ao menos 150 minutos semanais de atividade moderada — está associada à redução de até 32% no risco de desenvolvimento de tumores digestivos. Um estudo clínico randomizado de longa duração demonstrou quepacientes com câncer de cólon que aderiram a um programa estruturado de atividade física apresentaram uma redução de 37% na mortalidade e de 28% na taxa de recidiva tumoral.

Alimentação saudável: Dietas ricas em fibras, frutas, vegetais, peixes e grãos integrais têm efeito protetor comprovado contra o câncer colorretal. Em contrapartida, padrões alimentares ocidentais — caracterizados por alto consumo de proteínas de origem animal, carnes processadas e açúcares refinados — estão associados à maior risco de desenvolvimento da doença.

Erradicação da Helicobacter pylori: A infecção por H.pylori — presente em até 80% da população brasileira — é o principal fator de risco para o câncer gástrico. A identificação e erradicação dessa bactéria representam uma medida preventiva fundamental.

Além disso, outras ações com impacto significativo na prevenção incluem a cessação do tabagismo, a redução do consumo de álcool e a manutenção de um peso corporal adequado.

Em resumo, a adoção de um estilo de vida saudável permanece como a forma mais eficaz de reduzir o risco de câncer gastrointestinal.

Por Por Brasília

Fonte Correio Braziliense       

Foto: Arquivo pessoal