Crescemos cultivando hábitos à medida que o tempo passa e, a certa altura, nem sabemos mais o motivo de fazermos as coisas daquela forma. São as tais manias, tão criticadas em quem heroicamente alcança a longevidade. Creio que deveríamos ser mais livres para acumulá-las ao longo da vida, afinal, que mal a maioria delas poderia causar? Mas também penso que o lugar da acomodação é freio para as realizações e que alguns desses costumes representam nada mais do que travas para o nosso progresso e, em última instância, para a própria liberdade.
Pois bem: tenho uma mania que cultivo dos tempos de escola. Apesar de adorar os marca-textos, eu os usei muito menos do que gostaria. Com o objetivo de reaproveitar os livros no fim do ano, levando a sebos para trocar por outros materiais em bom estado de uso, fazia as marcações sempre a lápis ou então anotava os trechos mais importantes à mão, em resumos nos cadernos. O mesmo hábito foi transferido para a leitura de livros de literatura e, quando vi, os marca-textos estavam inutilizados no fundo das gavetas ou dentro do estojo.
Percebi, então, que estava cultivando uma mania boba e talvez desnecessária. Imaginava que para a recirculação daqueles livros o ideal seria mantê-los como novos. Mas o que testemunho na estante de casa são exemplares mais antigos se deteriorando, com páginas amareladas e puídas. A marcação nas páginas seria mais um sinal do tempo, e não uma arbitrariedade ou um impedimento à leitura da próxima audiência.
Também notei que, cada vez mais, pelas minhas linhas do tempo nas redes sociais surgem textos grifados com o tradicional amarelo ou outra entre tantas opções de cores que enfeitam as prateleiras das livrarias. Os modelos de hoje são, inclusive, mais confortáveis e oferecem menos risco às páginas, como o de lambuzar duas ou três folhas seguidas caso a pressão sobre o papel não seja minimamente calculada.
Um dos momentos que ajudou nessa epifania ocorreu durante entrevista com o psicanalista Christian Dunker. Ele, a mulher e os filhos preservam uma biblioteca particular que, entre idas e vindas, conta com cerca de 7 mil exemplares. Na conversa, ele contou que um dos requisitos para ser considerada especial a obra precisa marcar presença por meio da sua encadernação, do uso de suas páginas, da aparência (textos grifados inclusos).
Portanto, a partir de agora, faço as pazes com o marca-texto. Nada mais de sublinhar a lápis. Quero riscar sobre as palavras, com o colorido que eu escolher. No fim, o trajeto da caneta sobre o papel também contará uma história que poderá ser interpretada por quem mais encontrar aquelas linhas ou revisitada por mim, dessa vez, com mais prazer.
Por Mariana Niederauer do Correio Braziliense
Foto: Freepik / Reprodução Correio Braziliense