O desfecho da crise aberta pelas denúncias do MeToo Brasil contra o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida — que foi escrachado publicamente e demitido do cargo, por suposta importunação e assédio contra a ministra da Integração Racial, Anielle Franco, e outras mulheres —, seguiu o roteiro previsível: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, nomeou para o cargo a deputada estadual de Minas Gerais Macaé Evaristo (PT), que já era uma das mais cotadas para a pasta, ao lado da deputada federal Benedita Silva (PT-RJ). O ex-ministro ainda esperneia, nega as acusações e revela bastidores da disputa política com Anielle.
A própria natureza da crise foi determinante para a sucessão do ministro por uma mulher negra e petista. “Recebi um convite muito afetivo do presidente Lula, que diz conhecer minha trajetória de luta pelos direitos humanos e antirracista”, disse Macaé, que é muito ligada ao ex-governador Fernando Pimentel.
Silvio Almeida foi demitido, na sexta-feira, após virem a público denúncias anônimas do MeToo de suposta importunação sexual a Anielle Franco e casos de assédio sexual e/ou moral a outras mulheres. Foram corroboradas por um vídeo da ex-aluna Isabel Rodrigues, candidata a vereadora da cidade de Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, pelo PSB.
A forma como o PT comemorou a indicação de sua deputada reforça a tese de que, subjacente ao caso, havia uma acirrada disputa política pelo controle dos cargos, verbas e políticas públicas da Secretaria dos Direitos Humanos, que aparentemente o Palácio do Planalto tentou abafar. A luta nos movimentos de defesa dos direitos humanos entre lideranças petistas e não-petistas, caso dos mais ligados a Silvio Almeida, determinou a forma como o escândalo eclodiu.
“Com Macaé Evaristo, do PT de Minas, no Ministério dos Direitos Humanos, o presidente Lula nomeia uma mulher negra, combativa, com história de lutas e realizações na defesa da educação e dos direitos humanos, das crianças e adolescentes”, postou Gleisi Hoffmann, presidente nacional da legenda.
A nova ministra é professora desde os 19 anos, graduada em Serviço Social, mestre e doutoranda em educação. Foi a primeira mulher negra a ocupar os cargos de secretária municipal (2005 a 2012) em Belo Horizonte e estadual (2015 a 2018) de Educação. Ao longo de sua carreira, coordenou programas como a implantação de escolas indígenas, a escola integral em Minas, a escola integrada em Belo Horizonte e as cotas para ingresso de estudantes de escolas públicas, negros e indígenas no ensino superior, quando esteve no Ministério da Educação.
Macaé assume uma pasta na esfera de controle político da primeira-dama Janja da Silva, que interferiu diretamente na crise que levou à demissão de Silvio Almeida. Tão logo as denúncias foram divulgadas pelo MeToo Brasil, ela divulgou no Instagram uma foto beijando a testa da Anielle. Foi a senha de que o ministro estava demitido por Lula — faltava apenas o ritual político indispensável ao cartão vermelho.
Ícone volatilizado
Fundado por Tarana J. Burke, o MeToo ganhou prestígio mundial em 2017, nos Estados Unidos, quando a hashtag #MeToo (“eu também”) se propagou nas redes sociais. Naquele ano, a atriz americana Alyssa Milano, que acusou o produtor de Hollywood Harvey Weinstein de assédio sexual, sugeriu no antigo Twitter (atualmente X) que todas as mulheres que tivessem sido sexualmente assediadas ou agredidas respondessem para ela na rede social com a hashtag #MeToo. Em 24 horas, mais de meio milhão de mulheres se manifestaram.
Aqui, o MeToo Brasil foi criado em 2019, por iniciativa da advogada Marina Ganzarolli. Conta com uma equipe de 420 voluntários e já prestou atendimento a cerca de 340 vítimas pelo canal de atendimento gratuito (0800 020 2806), disponível em todo o Brasil. O acolhimento é realizado de forma sigilosa, garantindo a proteção e confidencialidade das informações.
O movimento esteve à frente de importantes denúncias de assédio sexual, a exemplo dos casos do juiz trabalhista Marcos Scalércio e do padre Alexandre Paciolli Moreira de Oliveira,
ex-reitor da PUC Rio de Janeiro. Atuou também nos casos do
ex-proprietário do bar Bambambã Gabriel Ferreira Mesquita, acusado de violentar 12 mulheres (condenado por estupro de vulnerável); e do empresário Saul Klein, denunciado por aliciamento e estupro de pelo menos duas dezenas de mulheres.
O desfecho administrativo do caso Silvio Almeida não encerra o episódio político. O ex-ministro era uma grande aposta do movimento negro. Carbonizado na opinião pública, será processado criminalmente e teve volatilizada sua imagem de principal ideólogo da luta contra o racismo estrutural. Entretanto, tem direito à presunção da inocência, conforme o devido processo legal. Mesmo que tenha êxito em sua defesa, terá muitos problemas pela frente, no âmbito pessoal e profissional.
O outro lado da moeda é a repercussão política. A primeira-dama Janja mostrou que manda no pedaço, não fez a menor questão de se manter nos bastidores. Muitas lideranças negras estão solidárias com Silvio Almeida. A falta de representatividade de Anielle junto ao movimento negro persistirá. E aliados de Lula na Esplanada estão em estado de alerta em relação aos métodos adotados na demissão.
Por Luiz Carlos Azedo do Correio Braziliense
Foto: Maurenilson Freire / Reprodução Correio Braziliense