Passaram-se 53 dias desde que o metalúrgico de Santa Catarina chegou a Brasília com familiares para participar do movimento golpista do dia 8 de janeiro. O ato acabou na depredação das sedes dos três Poderes e levou o catarinense de 52 anos, a mulher, um filho e uma nora para a cadeia. Nesta quarta, 1º, a família ganhou tornozeleiras eletrônicas e deu sinais de algum arrependimento. Foram soltos após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que liberou 173 denunciados pelo Ministério Público por participação em ações extremistas.
“Hoje, eu vou pensar duas vezes se faria isso de novo”, disse o homem, que só aceitou falar com o Estadão se não tivesse o nome identificado. Além da família catarinense, cerca de 60 pessoas foram liberadas com a condição de usar tornozeleira, ficar fora das redes sociais e não portar armas de fogo. A maioria evitou falar sobre o mês no cárcere.
O metalúrgico se apresentou como inocente. Alegou que no 8 de janeiro ficou sentado com os parentes no gramado na frente do Congresso enquanto o prédio era invadido. Ele e a família foram presos no dia seguinte aos atos golpistas. Estavam acampados no QG do Exército. O ato na Esplanada, contudo, tinha uma convocação clara: tomar, além do Congresso, o STF e o Palácio do Planalto. Ou, como resumiu uma bolsonarista: “Colapsar o sistema”. E assim foi feito.
Para o catarinense, a prisão não é um lugar feito para gente como ele. A comida ruim e até com aspecto de estragada, contou, é “coisa para bandido”. O metalúrgico disse que passou por situações constrangedoras. “Naquele momento em que você é despido, ali o meu mundo caiu”, afirmou. “Achava que tinha preparo psicológico, mas não aguentei. Pedi atendimento psicológico lá. É desespero mesmo. Não tem quem não chore lá dentro.”
Comitê de recepção
Se reclamou do tratamento na prisão, não pode reclamar da recepção após ser solto. Foi acolhido por um grupo de bolsonaristas e advogados que ofereciam banana, uva, maçã, água, café e refrigerante, além de biscoitos e doces. O comitê pergunta o nome do preso, distribui abraços, grita e aplaude de felicidade e se ajoelha em oração. “Aqui vocês vão ser tratados da devida maneira”, disse uma mulher da equipe.
O mesmo grupo hostilizou profissionais da imprensa momentos antes. A equipe do Estadão estava no local e foi chamada pelos extremistas de “traste”, “lixo”, “covarde” e “cambada de mentiroso”, além de dizer que o jornalismo se trata de uma “profissão do diabo”. Eles também tentaram impedir o trabalho dos profissionais ao entrar na frente das câmeras que registravam a chegada dos presos ao centro onde receberiam as tornozeleiras.
Presbítero da Igreja Assembleia de Deus, outro catarinense de 30 anos também foi solto ontem. Ele chorou ao rever a sogra. A mulher dele, que também foi presa, só deve ser liberada hoje. Os parentes já planejaram até mesmo uma capinha para a tornozeleira eletrônica do casal, com bandeiras do Brasil e símbolos patriotas. O religioso relembrou o que indica ter sido o pior momento da sua vida: “Cheguei a passar mal. Me deu um negócio na perna, minha vista ficou escura”.
Ao menos três ônibus levaram os presos até o posto de instalação de tornozeleiras ontem. Homens e mulheres estavam majoritariamente vestidos com camiseta branca – é o traje que ganharam no presídio. O primeiro a ser posto em liberdade foi recepcionado por uma mulher e abraçado por um policial penal e, em seguida, saiu com a bandeira do Brasil no rosto, para que não fosse identificado.
Estadão Conteúdo
Por Redação do Jornal de Brasília
Foto: Reprodução Jornal de Brasília