Famílias deixam suas casas para pedir doações nas ruas de Brasília

Nesta época, aumenta o número de pessoas que improvisam alojamentos em Brasília à procura de ajuda. Para não incentivar essa prática, GDF recomenda que os auxílios sejam feitos a instituições de assistência social

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Na Via L2 Norte, próximo à saída da Universidade de Brasília (UnB), um carro estacionado atrai a atenção de pessoas acampadas no passeio público. Um homem toma a frente do grupo e acena aos demais para que abordem o veículo. É uma família em busca de doações para passar o Natal.

A cena evoca um fato recorrente nos fins de ano no Distrito Federal. Nesta época, moradores de baixa renda das cidades vizinhas à capital e até de localidades mais distantes se instalam em áreas públicas para arrecadar alimentos, utensílios domésticos, roupas e dinheiro, aumentando o contingente de pessoas em situação de rua no DF.

Nas imediações da UnB, o gramado se tornou ponto de encontro anual para famílias que se abrigam em tendas de lona e barracas improvisadas.

Para esse público, a capital é atraente devido ao poder aquisitivo dos moradores. A maioria dos migrantes temporários vem de estados nordestinos, principalmente da Bahia, mas também de Goiás e da cidade de Belo Horizonte, detalha Rócio Barreto, cientista social e sociólogo da UnB. “Quando as pessoas pedem, geralmente precisam de ajuda imediata. Por isso, elas vão pedir nas ruas, sem burocracia”, observa.

“Seria pertinente criar políticas públicas de qualificação para as pessoas em situação de rua, mas não só oferecer cursos, qualificar e aproveitar essa capacitação com oferta de empregos, fazendo uma parceria público-privada, por exemplo”, sugere.

“Todo ano é assim”

Neildes da Silva de Almeida, 34 anos, deixou sua casa, em Valparaíso de Goiás, e chegou ao acampamento na segunda-feira. Ela vem a Brasília todos os anos, desde 2002, para encontrar auxílio. “Graças a Deus, tenho casa própria, mas sendo mãe solteira tenho que vir pra cá. Arrumar emprego está difícil. Como eu perdi todos os movimentos da mão, nem todo serviço dá pra fazer, ainda mais sendo a direita… Onde moro tem firma em todo lado, mas não me aceitam.”

O motivo da dificuldade física é decorrência de violência doméstica. A agressão do ex-parceiro fez com que Neildes rompesse os ligamentos dos dedos da mão, e o ferimento a impede de continuar executando trabalhos como faxineira e cozinheira. Desempregada, espera ganhar cestas básicas em Brasilia para alimentar os quatro filhos, até janeiro.

Na Asa Norte, prestes a completar 69 anos, Luzia Cavalcante Nanlim lava panelas com água que uma das filhas busca em uma igreja próxima. Nascida na Bahia, modou-se para Brasília há 39 anos em busca de uma vida melhor. Atualmente, deixa sua casa em Planaltina de Goiás para acompanhar o tratamento da filha, que tem  paralisia nos membros inferiores, no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). A aposentadoria pelo tempo de trabalho no campo ajuda a pagar as contas, mas está longe de garantir tranquilidade a ela e a família.

Da calçada, vislumbra as movimentações na cidade. “Logo, logo, aqui vai estar cheio de gente. Todo ano é assim”, assinala.

A reportagem também ouviu queixas das entrevistadas sobre falta de atendimento nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de Brasília e do Entorno. “Não sei o que está acontecendo no Cras, mas muita gente faz o cadastro e não está recebendo o auxílio, nem cesta básica”, desabafa Rosineide Conceição, de 35 anos.

Junto da prima Neildes, arrisca-se na rua. “Corremos o risco de estar dormindo e o barraco ser queimado, acontecer uma confusão. Acho uma negligência do governo federal e da administração”, reivindica.

O que diz a Sedes

De acordo com levantamento realizado em 2022 pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPE-DF) em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), há cerca de três mil pessoas em situação de rua na capital do país.

A pasta confirmou ao Correio que mais pessoas vivem em situação de rua durante os períodos festivos na capital. “Por isso, sempre reforçamos a importância da sensibilização da população para que as doações de final de ano sejam realizadas a organizações sociais inscritas no Conselho de Assistência Social”, recomenda a pasta, para desestimular esse tipo de prática. A lista está disponível no site sedes.df.gov.br.

O órgão acrescenta que, nesse período, intensifica o trabalho das 28 equipes do Serviço Especializado em Abordagem Social para identificar vulnerabilidades. O DF conta com dois centros de referência especializados para população em situação de rua (Centros Pop), onde esse público recebe quatro refeições por dia, pode fazer higiene pessoal, guardar pertences, provisão de documentação e ter acesso a benefícios socioassistenciais.

A secretaria afirma que não há registro de um aumento na busca por benefícios socioassistenciais nesta época do ano. Coracy Chavante, subsecretário de Assistência Social da Sedes, explica que, como as pessoas em situação de rua se deslocam com frequência, o acompanhamento fica comprometido. “Outra circunstância é não aceitarem receber o atendimento socioassistencial e não aderirem aos serviços. O maior desafio hoje é conseguir consolidar os dados dessa população”, afirma.

Por Giulia Luchetta do Correio Braziliense

Foto: Ed Alves/CB/DA.Press / Reprodução Correio Braziliense